quinta-feira, 12 de abril de 2007

Aniversário

Falou-se por aqui de aniversários... de passado... eu lembrei-me de Fernando Pessoa. Por agora, deixo-vos um poema que gosto particularmente...



Aniversário


“No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses!
Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...”
Álvaro de Campos

10 comentários:

wolfhunter disse...

Nao tenho palavras para a Beleza deste texto...


Um Beijo!

W.

PS: You've got a answer to our comment..., ;-)

Marta disse...

Wolfhunter,

Fernando Pessoa dispensa palavras.

Beijo.

Cátia disse...

Martinha, à pouco a nossa conversa foi interrompida por este teu post... Mas como é lindissimo (e é F.P.!! ) eu desculpo... :))


Os anos passam e ficam as saudades dos momentos passados, das pessoas que tinhamos ao nosso lado, de... enfim... de tudo um pouco, não é verdade?

Mas temos que pensar que daqui a uns anos vamos ter saudades do presente, do hoje, e por isso temos que o viver... Temos que festejar os nossos "aniversários"...

E querida... este anos temos que festejar o teu aniversário... vais para fora?! pois bem... nós festejamos a felicidade de te conhecer... quando chegares encontrarás ainda a casa cheia... de amigos, de boas lembranças, de sonhos...

Um beijo desta primota que gosta mt de ti

Marta disse...

Cátia,

Desculpaaaaaaa... a intenção ao colocar o post não era interromper a conversa... até porque ele vinha ao encontro dela, mas entretanto, meteu-se o almoço pelo meio e acabei por não te responder... sorry... I'm a bad girl...

Eu costumo dizer que aqueles que amo, ou amei, nunca deixam de estar comigo, os anos podem passar, podemos nem sequer nos ver ou mesmo falar, que ainda assim, estarão comigo... no meu coração, na minha memória, na minha saudade... nas minhas lágrimas e nos meus sorrisos!

Tento viver intensamente cada período da minha vida, cada sensação, cada chegada e cada partida... viver!

Festejaremos o dia dos meus anos quando voltar... ou tlv vos leve na bagagem... a ver vamos...

Já que falamos em aniversários... no teu perfil diz que és aquário... atrasados mas... parabéns... (desculpa se o deixei passar sem me lembrar... deve ser tb uma amnésia :)) )

Beijinhos primota!
(gosto mt de ti caçula!)

S. disse...

O poema foi magistralmente bem escolhido.

Tinha gostado dele da primeira vez. Mas reencontrá-lo agora... E saber que cada dia que passe vai fazer mais sentido.

Obrigada.

bublicious disse...

Yep... Bonito txt... Palavras para q? :)

bjnh

Eme disse...

Conheço bem este poema, grande em tudo e identifico-me nele quandoera chavalita. Agora, há muito tempo que não faço anos. Não quero fazer anos. Não tenho medo de envelhecer e vou fazê-lo com classe e ser sempre a mesma, mas não quero fazer anos! mai nada..

quem na gota, na come

Beijos :)

Marta disse...

S,

Também acho este texto fabuloso... é Fernando Pessoa!
A cada ano... ele fica mais real... os que festejavam o dia dos nossos anos vão partindo... por vezes sinto-me a humidade que vai minando a parede...

Beijo


Bublicious,

Yep... é isso... palavras a mais podem estragar...

Beijo


Morgaine,

Eu tenho medo de envelhecer... tenho medo da independência que se transforma em solidão... tenho medo de não o fazer, nem com uma sombra da classe que tu terás... :)

Beijo

Anónimo disse...

fantastico poema...
um verdadeiro artista das palavras...
um genio...

Marta disse...

Fontez,

Não digo isto mtas vezes, mas agora concordamos a 100%! :)

Beijo