quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Amantes

“Queres beber um chá hoje?”
“Hoje... hummm... chá?”
“Preferes café?”
“Não necessariamente!”
“Apetece-te ver-me hoje?”
“Apetece-te aparecer por cá?”
“Se me quiseres ver...”
“Pois... apetece-me... ver-te...”
Preparei o chá de baunilha, acendi as velas e no queimador o incenso de maçã. Como fundo musical escolhi Il Divo, bem baixinho...
Reconheci os teus passos na escada, rápidos. Abri a porta e fiquei atrás dela. Sabias-me ali, espero-te sempre atrás da porta... conheces-me tanto e não sabes nada de mim... nem saberás!
Os teus braços tentaram prender-me pela cintura... esquivei-me... agarrei-te pela mão e levei-te para a sala. Seguiste-me em silêncio.
Estendi-te a caneca de chá, sirvo-te sempre numa caneca... o mesmo sabor de chá, o mesmo aroma de incenso, a mesma penumbra... o mesmo ritual.
“Tinha saudades de te ver...”
“Óptimo!”
“Querias ver-me?”
“Sabes que sim.”
“Ainda queres?”
“Muito... agora mais...”
Os teus braços voltaram a enlaçar-me pela cintura. Senti o teu corpo. Findados os rituais tudo seria diferente e tão familiar...

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

À tua espera...

Hoje o caminho foi longo... Apesar de gostar de conduzir e gostar de o fazer com chuva, hoje foi particularmente difícil!
Comecei devagar. Vi a lezíria com gotas de chuva entre raios de sol e um arco-íris deslumbrante. Apesar de não ser a minha terra, adoptou-me e eu amo aquela mãe adoptiva... porque não o faria? Acolheu-me, serviu-me de refugiu, ajudou-me a sarar feridas, deu-me uma nova vida, uma nova casa, alguns amores... claro que a amo, mas não é a minha, sou sempre uma estranha na multidão, a prima do primo da prima da amigo do tio...
O que pode ser mais bonito que a planície alentejana florida na primavera? Os tons das nossas flores selvagens, salpicando o verde de amarelo, branco, roxo, vermelho... os campos a perder de vista, o pequeno monte, imaculadamente branco... dirão que é seca, agreste... eu digo-lhes que é triste... que balança de dor ao vento, como o trigo seco em pleno verão... mas que o faz com uma dignidade única...
Quantas vezes me esfolei e demorei horas a chegar a casa, em criança, porque tinha ido passear para o montado e confrontada com meia dúzia de vacas tive que subir a um sobreiro e lá fiquei a sonhar... a imagem vista da pernada de um sobreiro é divina, só quem o fez, ou faz, o pode entender!
Até quando chora, como hoje, com o pó apagado, transformado num aroma inconfundível... a minha terra é bonita...
Se vos falasse então, do céu estrelado e límpido das noites de verão... não me calaria tão cedo! Mas disso falarei num outro dia, que não hoje!
Com o adensar da chuva e o passar dos minutos dei por mim a acelerar, a noite aproximava-se e a minha ansiedade agravava...
Sabes... acho que não, eu nunca te disse... tenho o pé pesado (bem... isso sabes), mas sempre que estou nervosa conduzo devagar, como se internamente tivesse um alarme que depois de accionado me deixasse o pé leve... uma auto protecção de mim mesma... hoje não foi assim... queria chegar, queria saber de ti, queria ver-te, queria que me visses...
Quando finalmente cheguei, vi o pai fingindo estar calmo, como sabes ele finge mal, muito mal... e sem ti fica perdido!
Fomos ter contigo em silêncio... tentei dizer umas piadolas, daquelas foleiras que me saem nos momentos impróprios... mas estranhamente estava sem stock... e assim fomos calados!
Ele entrou logo, eu fiquei à espera, tive que esperar... quando deixaram que entrasse, perdi-me nos corredores... e quando finalmente te encontrei, sorriste para mim, um sorriso triste... és como o alentejo... sofrido mas de uma dignidade única...
Estou aqui... na nossa casa, à tua espera mãe!

domingo, 28 de janeiro de 2007

Contente comigo

Está um dia frio, feio, cinzento...
Não posso dizer que estou feliz, mas também não estou miserável! Estou triste... quando escolho erro e quando encontro... fazer o quê? Sou assim.
Mas estou orgulhosa de mim, estou contente comigo, porque disse o que tinha a dizer, porque não me calei, porque apesar de ter falado, penso que não falei demais como me é característico. Disse o que queria, exactamente da forma que queria. Não me recordo de o ter feito muitas vezes ao longo da vida.
Tiago, até isso é bom em ti... despertas-me o meu lado melhor... não sei porquê... não sei se és tu que me fazes bem ou se sou eu que estou a crescer!
Acredito e espero que nos continuemos a encontrar, sei que vou gostar de te ver!
Obrigada, despertaste em mim algo que eu não sentia à muito tempo, isso transformou os meus dias, fez-me perceber que estou viva e pronta para viver...



sábado, 27 de janeiro de 2007

Tiago

Queria ter-lhe tocado... queria que os meus dedos tivessem tocado os seus... queria ter sentido o seu toque... não queria que me agarrasse, não, nem pensar, não gosto de gente que me agarre, gosto daqueles que me sabem tocar... agora que penso nisso, ele tocou-me! Tanto que não paro de pensar nele...
Porque será que algumas pessoas nos tocam com um simples olhar, com uma palavra e outras por mais que façam nunca chegam a nós?
Continuo a achar que é loucura... o Tiago (por aqui chamá-lo-ei assim) chegou a mim sem querer, sem saber, e eu não faço ideia se ele me “viu”...
Queria ter-lhe tocado... da mesma forma que ele me tocou... queria que sentisse a minha presença, o meu carinho...
Queria-o aqui... comigo! Talvez só hoje...

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Desatino

Chegas-te de mansinho, nem deste conta, nem eu e entraste na minha vida.
Não tenho qualquer espécie de explicação... não entendo... nunca me aconteceu nada de tão irracional... e não posso dizer que nunca cometi loucuras, seria uma mentira de todo o tamanho. Já fui irresponsável sim... mas desta vez excedi-me... não porque fiz algo de incorrecto, mas porque sou “perseguida” por uma ideia, ou sentimento, ou seja lá o que for que se lhe queira chamar que é um perfeito disparate! Nem na minha cabeça tonta seria possível imaginar tamanha tolice... devo ter endoidado de vez...
Porque será que eu procuro sempre o que não posso ter?

Se este desatino persiste, eu própria faço a mala e me vou entregar na Av. do Brasil. :)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Ontem

Como era previsível a realidade chamou por mim e eu respondi. Acabaram os sorrisos, fica a esperança, o sonho, fico eu...
Obrigada pelo dia fantástico de ontem, obrigada pelo delírio, obrigada porque me senti viva... para isso precisei apenas de um nada... sim, por vezes precisamos de um nada que é tudo aquando do momento certo.
Ontem foi assim, um nada que eu agarrei com as duas mãos, que eu desfrutei com todas as minhas forças, que se transformou em tudo e hoje voltou à sua condição.
Sei que andas por aí e eu encontrar-te-ei! Já te senti, ainda que de longe, de muito longe, mas senti, trazias um perfume que não conheço, mas gostei desse teu cheiro...

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

ai ai

Hoje acordei bem.
O frio não me incomodou.
O transito... havia transito???
Cheguei ao café e não havia café... tudo bem, voltei mais tarde e não fiz drama.
A manhã voou... entre sorrisos idiotas que não consigo, nem quero apagar da minha cara!
O almoço estava uma t*****, mas soube-me bem...
...
Afinal o que tenho? Não atino na resposta... não tenho nada que não tivesse ontem... tenho? Não importa. Importa sim, que por um qualquer motivo que me escapa, ou talvez não... estou feliz!
As saudades que eu tinha de me sentir assim... ai ai... :)

(tinha que confessar...)

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Continuo má

Ontem, depois de nove horas de trabalho, regressei a casa e como qualquer pessoa normal, queria chegar rápido e que ninguém me incomodasse. Pois sim... estava eu de pisca ligado para estacionar de marcha atrás (isto porque o meu pai sempre me disse que devemos deixar o carro pronto a sair), quando vejo uma senhora, enfiar-se pelo lugar que era meu... fiquei desvairada, mão na buzina... a senhora olha e continua... meus caros, sou touro de signo e naquele momento fiquei só a ver vermelho. Puxei o travão de mão e aí vou eu tipo bicho na direcção dela.
“Você não viu que eu ia estacionar ai?!”
“Não.” Respondeu com um encolher de ombros.
“Não viu o pisca???”
“Só vi depois de ter estacionado... se tivesse visto antes não estacionava não acha?” Disse com um sorrisinho sarcástico.
Para ser sincera apeteceu-me esmurrá-la... mas com o meu 1,57 e 48 Kg, além de patético, seria cómico, para ela claro está. Portanto engoli os insultos que lhe ia dizer, voltei ao meu carro e fui estacionar, mais longe está bom de se ver.
A fúria fazia-me sair fumaça pelas orelhas, ficou com o meu lugar e ainda se ficou a rir de mim. Dirigi-me ao pronto a comer da esquina e comprei o jantar, naquele momento cozinhar era pedir demais de mim. Percorri o caminho sempre a pensar nas coisas que devia ter dito e não disse, nem me atrevo a escrevê-las, mas adiante, o que importa é que a mesma ideia assaltava-me o espirito.
“Por que raio queres tu aprender a ser boazinha aos trinta anos... burra velha não aprende línguas... foste frouxa isso sim... pois... estás a ficar frouxa.”
Estava eu a passar pelo estacionamento, já com o jantar e estas ideias brilhantes, quando... os meus olhos nem queriam acreditar... o carro da senhora estava trancado por um outro estacionado em 2ª fila. Não nego, fui invadida por uma alegria... mas uma alegria que me deu para o serão inteiro. Quando me sentia a desanimar, bastava rever o carro trancado e logo tinha de volta um sorrisinho ordinário. Imaginei-a uma hora à espera até conseguir sair... enfim nada que não tenha já acontecido... a mim!!!
Resultado, percebi que continuava má e isso na verdade não me incomodou em demasia.
Acontece que hoje de manhã, quase madrugada, passo pelo lugar que devia ser o meu e lá está o carro... passei-me... vejamos, ficou com o meu lugar, gozou com a minha cara, e ainda por cima começa a trabalhar mais tarde que eu???
Conclusão:
Continuo má...
Continuo com azar...
Estou a ficar frouxa...
Marta no seu melhor...

Bernardo

Hoje não vou fantasiar.
Todos temos coisas e pessoas fantásticas nas nossas vidas. Eu não sou excepção, aliás, se pensar bem até tenho muita sorte com o que a vida me dá.
Hoje falo do Bernardo.
Além da minha família directa, não há ninguém e isto quer mesmo dizer ninguém, que seja mais importante que ele, ou que ocupe o seu lugar em mim.
Nada do que aqui possa escrever será novidade para ele, confesso-lhe o meu amor muitas e muitas vezes, e por mais que o diga, será sempre insuficiente para descrever o que sinto por ele! No inicio deste blog apresentei-o como o Homem da minha vida... hoje confirmo-o!
Conheci o Bernardo em setembro de 94 e foi amizade à primeira vista... desde aí nunca nos separámos, é certo que as nossas vidas nos têm afastado geograficamente uma ou outra vez, mas nada nem ninguém nos separa, continuamos presentes na vida um do outro, próximos, confidentes, parceiros, aliados. O que nos liga supera qualquer distância.
Passados mais de 12 anos, partilhámos tudo o que se pode partilhar com um amigo. Fi-lo com ele, como não o faria com mais ninguém, porque ele é único, especial, porque somos semelhantes, porque nos entendemos, nos respeitamos, nos amamos... Se alguém me conhece esse alguém é ele, tem a capacidade de lidar com todos os bichos que vivem em mim, e acreditem quando vos digo que são muitos.
A felicidade de o ter na minha vida é indescritível.
O Bernardo foi ao longo dos anos o meu pilar, a voz da consciência e o diabinho. A sua paciência, o seu ombro salvou a minha réstia de lucidez perante a vida, por mais vezes que lhe agradeça nunca será suficiente.
Hoje, perante os que aqui me visitam digo-lhe:
“Obrigada amigo, por seres quem és, por te teres cruzado comigo e teres ficado na minha vida... adoro-te!!!”
Muitas vezes me têm perguntado se não seria possível funcionarmos como casal e a resposta chegou sempre de imediato e sem hesitações: “Não!”
“Não o achas atraente?” Continuam.
“Acho-o bonito, por dentro e por fora, mas é meu irmão, um irmão que eu escolhi e não um que a vida me impôs.”
Falar de mim, da minha vida, das minhas emoções e não falar da minha relação perfeita, e a palavra é mesmo essa, perfeita, seria deixar de lado o melhor de mim, seria amputar uma boa parte do meu coração, que é dele.

Bernardo, temos que nos ver... tenho tantas saudades do teu abraço... a falta que me fazes...

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

...

Ouço os teus passos, fecho os olhos tentando apurar os restantes sentidos. O teu perfume é inconfundível... chegas mais perto, os teus braços envolvem a minha cintura e eu fico sem ar. A tua respiração próxima do meu ouvido, a tua voz num sussurro:
“Dança comigo...”
Agarro as tuas mãos cruzadas na minha barriga. Mantenho os olhos fechados e ainda assim consigo ver o contorno dos teus dedos que se entrelaçam nos meus.
Não sei qual é a musica, estou concentrada no ritmo do teu coração nas minhas costas, sei apenas que é suave e me deixa leve.
O teu rosto passa pelo meu cabelo... voltas a sussurrar-me:
“Danças?”
Movimento a cabeça em afirmação. Sabes que eu adoro dançar contigo!
Rodo o meu corpo dentro da argola formada pelos teus braços. Olho-te, estás deslumbrante! Embora não sejas aos olhos dos outros um homem particularmente bonito, sempre te achei lindo... mesmo antes de te encontrar sabia que serias assim...
Os nossos corpos começam a mover-se, sincronizados, como se sempre o tivessem feito, como se lhes fosse tão simples o movimento harmónico como respirar.
Enquanto as tuas mãos se passeiam nas minhas costas, as minhas afagam o teu cabelo. Deito a cabeça no teu ombro, deixo-me conduzir por ti... e murmuro:
“Amo-te...”

domingo, 21 de janeiro de 2007

Primeira tentativa

Falaram por aqui em ficção...


Pára!
Não quero que me toques. As tuas mãos que em tempos me foram suaves, hoje só me arranham... arranham-me a alma! O teu corpo ávido do meu só me repele. Que me importa se o perfume que usas é o mesmo? Que me importa que digas que me amas? Que me importa que durante a noite te enrosques em mim? Sei que me mentes...
Talvez tu ainda não saibas... mas o meu amor por ti morreu.
Pára!
Será que não vês? Claro que não, tu não me vês... por vezes pergunto-me se sabes quem sou. Sabes? Podes descrever-me durante horas e tenho quase a certeza que não chegarás nem perto. Hoje vejo que nunca me quiseste conhecer. Procuraste um porto seguro e encontraste-me sem nunca me ver. Percebo só agora que a paixão deixou de me cegar, que só eu te amei.
Que queres de mim afinal? Não respondas, sei que mentirás... mas não importa, de ti não quero mais nada.
Partilhámos uma única coisa, a nossa cama... e até ela se tornou demasiado pequena para o continuarmos a fazer... não posso continuar a dividi-la contigo!
Pára! O teu entreabrir de lábios já não me dá sede. Deixei de te querer.
Pára! Não tentes que fique. Porque não aceitas que acabou? Não entendes que me sinto um tolo?
Pára! Não me obrigues a odiar-te...
Pára! Não vês que o meu corpo não reage à visão do teu?
Vou sair agora. Hoje. Já!
Fiz a mala e vou... não me chames, não olharei para trás... não quero pousar os meus olhos em ti.
Adeus...


(Sei lá eu porquê, achei que me poderia colocar na pele de um homem... acho que o deixei bastante feminino... enfim foi a primeira tentativa...desculpem lá!!! )

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Acontecimento 2006

Hoje não falo de mim, falo por mim e creio que por muitos, senão todos, os que passam por aqui.

Esta “notícia” já o foi há muitos dias, no entanto continua e continuará actual. O esforço diário de muitas “SUPER-MULHERES”, é simplesmente notável!




De notar que este milagre é cumprido com um sorriso nos lábios e uma palavra doce proferida à cabeceira dos filhos, que muitas operam ainda o milagre da multiplicação dos pães e que muitas outras sofrem abusos ao longo e no fim do dia...
PARA ELAS A MINHA ADMIRAÇÃO!!!

(Alegra-me saber que cada vez mais os “nossos” Homens, as apreciam e ajudam... fico com fé na espécie humana.)

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

The end

Estas palavras foram para ti Pedro. Esta é uma pequena amostra do que foram os meus últimos anos, de como vivi alguns dos meus dias, das cartas que te escrevi, de como te recordo. Escrevi-te a saber que não lerás as minhas palavras, e assim, disse-te o que jamais tive coragem de te dizer. Sei que o universo pode conspirar e que estas palavras podem chegar a ti, nesse caso, faz delas o que quiseres, são tuas!
Parece inútil ter passado anos a escrever para quem não iria ler, é verdade, parece inútil, mas em muitos dias essas folhas de papel foram as minhas confidentes, o meu escape à loucura... a minha forma de comunicar contigo e permanecer em silêncio!
A minha maior dor ao longo dos anos não foi a memória das palavras envenenadas que trocámos, foi acordar de manhã, depois de sonhar contigo e não te ver, não te ouvir, não te tocar... foi saber que te tinha perdido por cobardia!
Vivi 10 anos a tentar esquecer-te, falhei! Não te vou esquecer, vou ultrapassar, vou viver, esquecer-te seria perder quem sou hoje, seria negar-me a mim própria. Vou fechar o baú das memórias contigo lá dentro, sei que lá estarás, mas não te visitarei.
Estou confiante, acredito em mim, senti-te partir a cada post, hoje limito-me a dizer-te adeus.
Foi a minha derradeira declaração de amor... o meu tratado de paz...

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

EU (continuação)

Encontrámo-nos duas vezes após aquela manhã, racionalmente sei que foi um erro, mas quando o via ficava desprovida de razão... No segundo encontro, dissemos adeus definitivamente, por muito que me custasse abandoná-lo, vê-lo naquela conjuntura era pior.
Os telefonemas anónimos começaram pouco depois, eu atendia e ouvia-lhe a respiração pesada, começou por ser ao fim da tarde, depois passou para a hora do jantar e daí naturalmente evolui-o para a madrugada, para o telefone desligado, para a raiva que aprendi a sentir por ele.
Uma tarde ao chegar a casa em Lisboa, disseram-me que tinha ligado o Pedro e que pedira a morada para me escrever. O medo apoderou-se de mim pela primeira vez, não os meus medos comuns, resultantes da insegurança e do egoísmo, aquele era um medo corporal, físico. Ele não queria escrever-me, queria caçar-me, queria que eu soubesse que ele estaria por perto no momento menos provável, queria-me atenta, assustada... e assim o fiz. Calei-me por vergonha e escondi-me por medo. Soube bastante mais tarde que num dia de loucura ele pedi-o o carro ao pai e lhe disse que me vinha matar. Não darei pormenores porque os desconheço, sei apenas que se realmente o quis fazer, alguma coisa ou alguém o travou! Deixo um obrigada a essa interferência, embora a honestidade com que escrevo estas palavras, me obrigue a confessar que em alguns momentos estive tão perdida que desejei que ele cumprisse a ameaça. Foram breves e raros delírios, mas aconteceram...
Antes do Verão a minha irmã ligou-me e contou que o Pedro estava no hospital, que os seus problemas com a asma se tinham complicado e que fora internado, mas que já estava melhor. Passei os dias seguintes sem saber se devia ou não ligar-lhe, vou corrigir, sem saber se tinha ou não coragem de lhe ligar. Tive. Liguei-lhe, já estava em casa, falámos um pouco, fingimos que nada se passara, ele disse que o médico que o acompanhou o estava a ajudar, eu percebi que ele estava melhor e isso bastou-me.
Durante as férias desse ano, numa tarde que parecia a repetição de tantas outras, o telefone tocou.
«Olá... Sou eu...»
O meu coração disparou, sabia noticias dele com regularidade, ainda que a nossa última conversa tivesse sido aquele telefonema, mas não esperava ouvi-lo.
«Gostava de te ver, queria pedir-te desculpa, se poderes vir visitar-me... tenho saudades tuas!»
Fui.
No dia seguinte ao entrar no hospital vi-o de imediato, tinha-se submetido a uma cirurgia no pé, andava pelos corredores numa cadeira de rodas, como se estivesse numa pista de carros de choque.
Tínhamos os dois 21 anos, estávamos magoados, amargos, sentia-me envelhecida, revoltada com a vida, tinha raiva dele e de mim por termos descido tão baixo. Mas naquele instante, quando os nossos olhares se cruzaram e ele abriu um sorriso, toda a raiva e mal estar que sentia se dissipou. Iludi-me por momentos, pensado que tudo não passara de um sonho mau, que acordara e estava diante do puto de antigamente, divertido, meigo, carente, o “meu” Pedro!
Falámos durante quase uma hora, ele pediu-me que entendesse que não estava bem, pediu perdão, disse que me adorava, que queria estar comigo... eu ouvi, perdoei...
Apetecia-me abraça-lo e enchê-lo de beijos... mas tive tanto medo, de mim, dele, dos meus pais, de tudo... fui cobarde, mais uma vez fui cobarde!
Sem pensar muito, sem o olhar nos olhos para poder mentir, disse-lhe que já era tarde, que o que tínhamos vivido não permitia voltar atrás, poderíamos ser amigos mas já estávamos em caminhos diferentes e esses caminhos não se cruzariam outra vez. Tentei convencê-lo e acima de tudo convencer-me que estava a ser responsável e sensata, acho mesmo que acreditei na minha mentira. Quantas vezes ao longo da vida não baptizamos a cobardia de sensatez?
Depois de nos despedirmos, quando estava à porta para sair o Pedro chamou-me, voltei-me e fiquei a observá-lo. Era tão lindo! Os olhos castanhos, olhavam-me, saltitantes, vi-o morder o lábio, percebi que estava nervoso, senti-o hesitar, pareceu-me na dúvida se deveria ou não falar... continuei a observá-lo em silêncio, vi os seus músculos contraírem, o seu olhar tornou-se gelado, o desprezo que sentia por mim naquele instante transtornava-lhe o rosto.
«Não fazes ideia do que eu sou capaz...» Fez uma ligeira pausa e pronunciou as palavras seguintes de forma arrastada. «Vou transformar a tua vida num inferno!»
Foram as últimas palavras que lhe ouvi, a sua última promessa. Não posso negar que a cumpriu...
Os meses seguintes vivi-os numa ansiedade angustiante, tive medo da minha própria sombra mas engoli os meus temores, sofri em silêncio, escondi do mundo o meu desequilíbrio da melhor forma que consegui, obriguei-me a ir aos mesmos locais, recusei-me a fugir...
Voltaram os telefonemas, o meu carro apareceu partido, o carro dele passou a alta velocidade a roçar as minhas pernas, por várias vezes fui seguida. Quando nos cruzávamos por acaso, ou talvez não, tinha a sensação que a qualquer momento ele sacaria uma arma. O ódio com que me acarinhava era evidente.
Sim, pensei apresentar queixa e sim como a maioria das mulheres em situações idênticas não o fiz. Não sei dar um motivo concreto, talvez por medo, talvez por achar que tudo não passava de imaginação e paranóia minha, talvez por pensar que se o fizesse ele nunca me perdoaria... mas ao contrário do que acontece também a muitas mulheres, a única tortura a que ele me submeteu foi psicológica, não me agrediu fisicamente, não me marcou de forma visível, não me matou!
Mas adiante que a história já vai longa... a minha relação com o zé estava condenada desde o inicio, e contudo, entre fins e recomeços durou muito tempo, demasiado. Quando finalmente terminou não me deixou nada, nem mágoa, nem dor, nem saudade, ficou apenas um grande zero!
Conforme prometido uns anos antes, numa “conversa” com Deus, durante uma viagem de carro, o tempo encarregou-se de me fazer sonhar outros sonhos, de viver outras paixões, de ser feliz, porque eu fui feliz, aprendi a buscar a minha felicidade em coisas simples, num café saboreado a olhar o Tejo, numa manhã de chuva em que tudo o que tinha a fazer era aconchegar-me nos lençóis quentes, numa dança, numa música, nas viagens, no trabalho, na solidão da minha casa...
Dos 21 aos 23 vivi com medo, depois o tempo acalmou-me, quando nos cruzávamos já não era raiva que via nos seus olhos, passou a ser dor, arriscaria mesmo dizer que o vi com vergonha. Percebi que não o iria esquecer mas acreditei que saberia viver com isso. Até aos 27 de alguma forma consegui. Claro que havia dias complicados, em que a dor regressava, em que a saudade estava presente, mas eu chorava, lambia as feridas e nos meses seguintes desfrutava de uma calma reparadora.
Ao aproximar-me dos 30 tudo se modificou, vivi obcecada com “ses”, perseguida pela culpa, pelas memórias, os sonhos triplicaram...
Lamentei os erros que cometi, lamentei as palavras azedas que trocámos, lamentei a forma como conduzi a minha vida... lamentei o “amo-te” que não lhe disse, lamentei ter poucos abraços a recordar, lamentei não o ter feito feliz, lamentei que não me tenha feito feliz, lamentei as mentiras, as meias verdades, lamentei a minha cobardia... senti pena de mim, e esse foi o sentimento que mais me reduziu, que mais me afundou...
Curiosamente nunca lamentei o amor retorcido que lhe dediquei ao longo dos anos, sei que vivi o que felizmente ou infelizmente poucos viveram, com uma intensidade que muitos nunca conhecerão. Sei que vivi um amor correspondido, ainda que vivido forma doente... sei que nenhum de nós foi o lobo mau nem o capuchinho vermelho a tempo inteiro. Tivemos um problema de comunicação, de maturidade, de caracter... Sei também como diz a velha música na voz de Elis Regina que “Deus dá o frio conforme o cobertor”!

domingo, 14 de janeiro de 2007

EU (continuação)

Em Setembro de 94, numa semana a minha vida mudou para sempre, saíram as listas de colocados nas faculdades e eu fazia parte delas. Fiz a mala e saí do Alentejo com o intuito de só voltar de visita.
Nos fins de semana que ia a casa, era habitual, sair à noite com a Alexandra, tornou-se rotina encontrar o Pedro, casualmente ficávamos juntos, resumindo, sempre que me apetecia.
Houve dias em que me lembrei dele em Lisboa, mas confesso que não era frequente. Tinha novos amigos, novas experiências, novos interesses, tinha tanto com que me preocupar que não podia perder muito tempo a recordar o Pedro, afinal de contas, nele nada me preocupava, ele estaria sempre à minha disposição, alimentando-me o egoísmo e satisfazendo os meus caprichos!
Não sabia na altura, mas era uma miudinha mimada, egoísta, mesquinha e cruel. Não o fazia de forma propositada, mas era um facto! Juro-vos que queria contar a história de outra forma, com uma Marta perfeita, a quem ninguém apontasse o dedo, mas se o fizesse... essa Marta não seria eu e a história não era a minha...
O Pedro, vou tentar descreve-lo com imparcialidade, vejamos, era a criatura mais doce que algum dia conheci, era amigo, bom coração, mas infelizmente era realmente fraco e submisso, naquela altura perdeu-me apenas porque não me deu luta, porque eu não queria um animal de estimação! – apercebi-me neste momento que continuo cruel, animal de estimação é esticar a corda, mas é o que penso e se aprendi alguma coisa da vida foi a dizer o que penso, o que sinto, não me voltarei a calar.
No fim do segundo ano de faculdade, recebi a visita de um antigo colega do secundário, o Filipe, que em tempos tivera uma paixoneta por mim. Jantámos e a páginas tantas, contou-me que estava com problemas com drogas, consumia, traficava e até já tinha sido preso. Não recordo com precisão o que lhe disse, mas sei que mostrei a minha desaprovação, fiquei realmente incomodada com a confissão. Só não podia imaginar que ele tinha ainda mais a dizer-me, até que a meio da sobremesa disparou:
«Ainda te dás com o Pedro? Ele era um dos meus melhores clientes, comprava-me cavalo»
E foi assim que as minhas verdades se transformaram em mentiras, que o meu mundo ruiu, que fiquei sem chão, sem ar...
Na minha cabeça martelavam sempre as mesmas palavras:
Comprava-me cavalo... não... comprava-me cavalo... nem pensar... comprava-me cavalo... eu teria percebido... comprava-me cavalo... é mentira... comprava-me cavalo... e se for verdade?
Foi uma das semanas mais compridas da minha vida, o fim de semana nunca mais chegava e o medo aumentava de forma exponencial, o que faria da minha vida se fosse verdade? E pela primeira vez tive medo de o perder! Devia falar com ele ou enfiar a cabeça na areia?
No fim da semana já não aguentava a dúvida e procurei-o. Falei-lhe da conversa com o Filipe e esperei pela versão dele, era um fim de tarde de Maio, sentámo-nos num banco do jardim público e ficámos isolados do mundo.
O Pedro negou, negou, negou e não me convenceu. Foi uma conversa difícil, senti-me traída, ferida e quis feri-lo, provocá-lo, magoá-lo até que confessa-se.
«Podes contar-me a verdade, eu conto-te também umas coisas sobre mim que tu não sabes.» Dado que o silêncio foi a minha resposta continuei «Eu tinha um namorado lá! Até à bem pouco tempo» Falei de forma a que ele acreditasse que tinha estado com os dois ao mesmo tempo, o que não era verdade.
O seu olhar ficou gelado.
«Queres mesmo saber? É verdade que eu experimentei cavalo, mas do que eu gosto mesmo é de branquinha... E a culpa é tua! É mais fácil pra mim, depois de tu me deixares em casa depois de estarmos juntos não estar muito consciente, é mais fácil pra mim no dia a seguir quando nos cruzamos como dois estranhos não estar muito consciente, é mais fácil pra mim durante as semanas que não sei nada de ti e que tu estás sabe-se lá com quem eu não estar muito consciente!»
Falou com uma raiva que eu não supunha existir nele.
A partir desta conversa a miscelânea de sentimentos não parou. Comecei por achar que enlouquecera, dei-lhe razão, considerei que era um fraco, compreendi, lamentei, culpei-o, culpei-me e nunca me perdoei!
Foi nesse ponto que se deu a viragem, passei a estar sempre disponível, a procurá-lo, a preocupar-me, a correr atrás dele, a viver para os seus caprichos.
Via-o tanto e tocava-lhe tão pouco... ia ter com ele às escondidas pela porta das traseiras do café para o meu pai não saber, para que os vizinhos não falassem, para não confirmar a ninguém o que todos já sabiam. Assisti a ressacas, vi-o enlouquecido a dizer que ia fugir, que tinha uma vida estúpida... Outros dias, poucos, ele era só o puto de antigamente, meigo, carente, amigo...
Fiquei algumas noites sentada no meu carro à espera dele, numa rua qualquer onde tivéssemos combinado, a ver as horas passarem lentas... esperava até perceber que era inútil, ele não viria! Nessas noites no escuro do meu quarto, ouvia as palavras dele. «Gosto de snifar coca e daí? Não sou agarrado» Engolia as lágrimas, determinada, a culpa de tudo aquilo era minha e ele não era agarrado... tinha que o ajudar.
Se eu não fosse uma criança de vinte anos, julgo que o teria sabido ajudar, mas era, e não o soube fazer. Mas seria a culpa minha? Fora cruel sim, magoara-o, mas seria a culpa minha?
No dia seguinte, quando o procurava decidida a lutar por ele ouvia-o «O meu pai emprestou-me o carro e fui ao casal», e nesse momento ficava perdida, sem saber o que dizer, aquela merda tinha sempre prioridade, ele preferia fazer 200Km para comprar uns gramas a estar comigo... eu sabia... estava ali por opção, ninguém me estava a mentir!
Foi um verão longo, cheio de semanas de mil dias, cada um preenchido por demasiadas horas, os poucos momentos de paz foram sonhados nas madrugadas passadas na velha rede, debaixo de um céu cheio de estrelas...
Com o regresso às aulas, a sensação de impotência aumentou, estava longe e perdida, tentava tudo e na verdade não fazia nada. O Pedro ia-me administrando pequenas doses de veneno, a sua indiferença comigo e com o mundo tiravam-me a lucidez, acreditei alguns dias que tudo aquilo não era verdade, que um dia iria perceber que tudo era apenas um mal entendido. Muitas vezes pensei que o problema estava só na minha cabeça...
No fim desse ano estava cansada, desorientada, deprimida, sozinha. Não tinha a mais pálida ideia do que fazer com a minha vida. Estava suficientemente carente para conhecer alguém e assim surgiu o Zé. Sentava-se comigo em silêncio, fazia-me rir, apoiava-me. Ficou comigo... eu... fiquei sem nada... sem ninguém!
Quando a nossa relação começou senti-me bem, foi a minha primeira relação, agradava-me a ideia de a assumir, adorava a ilusão de que iria esquecer o Pedro. Não amava o Zé, acho mesmo que nem sequer me apaixonei, mas ele era o escape perfeito, se ficasse com ele talvez aprendesse a amá-lo, iria acabar por esquecer o Pedro e com certeza seria feliz... não podia estar mais enganada!
A distância a que estava geograficamente do Pedro permitiu-me omitir o aparecimento do Zé e a proximidade que ainda sentia, impediu-me de dispensar as migalhas que ele de vez em quando me mandava. A vida dupla durou cerca de dois meses, aqui era a namorada do Zé e lá era a miúda que saía com o Pedro. Como devem imaginar não me orgulho particularmente, mas também não posso dizer com sinceridade que sofri muito com a culpa, deveria?
Claro que sim, que pergunta idiota, deveria se não fosse tão amoral, mas a verdade é que era, ou sou...
O Zé sabia que eu não o amava e o Pedro... tentei contar-lhe, mas recusava-me a perder o que não tinha...
Tive os meus momentos de luta interna claro, tive algumas crises de consciência sim, mas a imaturidade tratou de as resolver com grande eficiência.
Num dos fins de semana no Alentejo, num domingo à noite o Pedro ligou-me, queria vir ter comigo durante a semana... as duas realidades cruzaram-se e a farsa terminou.
Pedi-lhe que não viesse, disse-lhe que depois falávamos, ele insistiu e eu contei-lhe a verdade, sei que podia ter inventado qualquer coisa, sei que podia ter mentido, sei que não lho devia ter dito pelo telefone, mas naquele momento a única coisa que soube foi confessar-me. Tentei explicar-lhe o que eu própria tinha dificuldade em entender, disse-lhe que não aguentava mais esperar que ele não estivesse de ressaca, que tivesse tempo para mim... pedi-lhe que entendesse que não podia mais vê-lo daquela forma, ao que me respondeu: «Eu preferia ver-te agarrada do que com outro!»
Não queria acreditar no que ouvira, como é que ele o podia dizer, ou pior, sentir... Eu queria vê-lo de qualquer forma que não aquela.
Acordei cedo na manhã seguinte e estava quase a sair quando o Pedro apareceu na casa dos meus pais. Apesar da situação constrangedora ele teve a delicadeza de desculpar a sua visita inesperada e inoportuna às sete e meia da manhã com uma suposta boleia e embora os meus pais não tenham acreditado por ser demasiado obvio o nosso mal estar, agradeço a todos o inicio de manhã teatral.
Saímos os dois juntos da minha casa em silêncio e parámos na cidade para beber café. Chorámos juntos... Pela primeira vez, olhei-o nos olhos e disse-lhe que gostava dele, um contra-senso, dado que estava com outra pessoa, mas tentei explicar os meus porquês. Atingira o meu limite do suportável, era-me impossível continuar a partilhá-lo com o vicio e disputá-lo com a cocaína parecia-me uma luta perdida!
O Pedro afirmou que me adorava, que podia mudar, que não estava agarrado e que largava quando quisesse.
«Então prova-o, quando estiveres bem voltamos a falar.»
«E até lá? Ficas com o outro gajo?»
«Até lá eu sigo a minha vida.»
«Depois sou eu que não quero, antes mato-o a ele e mato-te a ti.»
Este diálogo envergonha-me profundamente e é este o único comentário que lhe farei.
Conduzi devagar no regresso a Lisboa, não iria às aulas, já não tinha pressa, já não tinha sonhos, já não tinha nada... a não ser tempo... tempo que me permitiria esquecê-lo, que me traria outros sonhos, que me daria outros amores!
(continua)

EU (continuação)

Conheço o Pedro desde sempre, frequentámos a mesma escola primária, crescemos na mesma terra, ele faz parte das minhas memórias mais antigas.
Na primeira classe ele dizia à mãe que era meu namorado, ela achava-lhe piada e contava aos meus pais, essas conversas terminavam em gargalhadas e eu, furiosa, escondia-me envergonhada. O Pedro era um “mentiroso”, não éramos namorados e “odiava-o” por inventar essas histórias.
Ainda durante a infância ele mudou-se com os pais e estivemos alguns anos sem nos vermos.
Regressaram quando eu tinha catorze ou quinze anos, ouvi comentar que estavam de volta e fiquei curiosa. Como estaria? Lembrar-se-ia de mim?
Recordo-me da primeira vez que nos vimos, eu vinha da escola, saí do autocarro e lá estava ele junto à paragem, a andar de bicicleta, ficámos parados a alguns metros a olharmo-nos, achei-o mais bonito do que lembrava, trocámos um sorriso tímido e fui para casa sem olhar para trás.
Os meses foram passando, e nós ficando amigos, o pai dele era dono do único café da terra, via-o lá e além disso frequentávamos a mesma escola na cidade.
O Pedro começou a ter dificuldades em matemática e como eu era boa aluna comecei a dar-lhe explicações, é quase inútil dizer que não correu bem, ele ria e fazia palhaçadas e eu admirava-o em silêncio, perdendo o fio à meada... mesmo assim durou meses até os nossos pais perceberem que era inútil e que não fazíamos nada a não ser rir ou eu irritar-me com ele, fingido que queria trabalhar. Pergunto-me ainda hoje se sabíamos que aquelas horas eram somente um pretexto para estarmos juntos!
Durante as férias de Verão eu ficava sozinha em casa e ele também, vivíamos a 1 Km de distância e normalmente eu não ia para a rua, preferia isolar-me com os meus pensamentos, preferia desenhar, ler, sonhar com a vida que um dia eu teria longe dali, com os engarrafamentos que via na televisão... O Pedro ligava-me durante as tardes, passei tantas horas deitada na carpete verde do hall, sentido o fresco dos mosaicos e ouvindo a voz dele, sou incapaz de contar uma única conversa, o tempo encarregou-se de fazer delete, ficaram apenas duas frases ditas no mesmo dia em telefonemas com poucos minutos de intervalo.
Não sei se alguma vez tentou falar de nós, mas se o fez com certeza o interrompi com algum comentário cruel.
A minha adolescência foi complicada, era e ainda sou uma pessoa difícil, muitas vezes afastei os que gostavam de mim e de quem eu gostava por medo de um dia os perder. Preferia não viver quando se tratava de sentimentos, tinha dificuldade em expressar-me. Tinha o meu grupo de amigos claro, poucos e bons como dizia, alguns mantêm-se até hoje, portanto acho que já posso afirmar com certeza de que tinha bons amigos. Mas o Pedro era diferente, o meu coração saltava no peito quando estava com ele, era o meu maior susto.
Naquela altura começou a ser evidente que ele gostava de mim, rodeava-me de atenções, tratava-me com carinho... eu era fria com ele muitas vezes, normalmente nos dias em que o coração se descontrolava, tinha tanto medo de gostar dele, dos meus pais descobrirem e não aceitarem, medo que ele entrasse na minha vida e interferisse nos meus sonhos, aos dezasseis ou dezassete anos, tudo o que se vê é destorcido, pelo menos comigo foi assim.
O Pedro estava sempre presente, tanto que nunca lhe senti a falta, nunca tinha saudades, nunca o apreciei... sim, tive alguns ciúmes, aquando de um ou outro namorico, tal como ele teve de mim, mas eu fingia melhor!
No fim do secundário convidei-o para ser meu padrinho na missa de finalistas. Foi complicado decidir-me, a minha mãe gostava dele, mas o meu pai nem tanto, ouvia-se que ele fumava charros, e para o meu pai esse pormenor não era uma boa característica. Claro que a maior dificuldade da situação estava dentro da minha cabeça, não queria que percebessem que eu gostava dele. Ao contrário do que pensava todos acharam normal que fosse o meu amigo Pedro o meu padrinho.
No dia da missa estava de vestido preto e o cabelo comprido transformara-se num rolo na minha cabeça, ele tinha um fato azul escuro, na altura achei-nos perfeitos - hoje ao olhar a velha fotografia... acho que eu estava perfeita sim, perfeitamente ridícula... mas quero contar-vos a história que podia ter sido tão simples como respirar, quero contar-vos que a única coisa que soubemos fazer de forma simples foi magoarmo-nos, a moda em 94 não me parece relevante para o caso, quis desabafar apenas, chorei tanto a olhar para a fotografia... algumas lágrimas devem ser vergonha, porque além de me ter apresentado assim em publico, guardo a prova, mas onde é que eu ia? Ah! Sim! Nas fatiotas. Éramos duas crianças nervosas, a viver um dia diferente, para mim tratava-se de concluir uma etapa na conquista do meu sonho, sentia-me orgulhosa e sentia que ele se orgulhava de mim, ali do meu lado, em frente ao altar... Penso que estávamos felizes, eu pelo menos estava.
Passei o dia nas nuvens, ele foi perfeito... No fim da tarde começámos a combinar sair à noite, todos os finalistas. Decidi ir jantar com os meus colegas de turma e estupidamente não convidei o Pedro... não possuo qualquer justificação, não me lembro sequer o que me passou pela cabeça, sei só que o fiz...
Combinámos encontrarmo-nos na discoteca, bem, eu dei a ordem e ele acatou, com a cara de cachorro sem dono que durante anos o caracterizou.
Durante o jantar falou-se dele e eu disse que me incomodava o facto dele fumar charros com frequência, nessa altura um dos meus colegas disse que talvez ele mudasse se eu lhe desse uma oportunidade. Fingi ignorar o comentário, mas nunca o esqueci.
Quando me encontrei com ele à porta da discoteca, ele estava diferente, tinha os olhos vermelhos, demorei apenas uns segundos a perceber e discutimos. Como represália passei o resto da noite a dançar e a “fazer olhinhos” a quem calhou, ele, passou a noite a um canto, a olhar-me! Nunca lhe pedi perdão, pensei que tinha razão, pensava sempre... eu era a Sinhá, ele era apenas o escravo...
Numa noite desse verão beijámo-nos pela primeira vez, tínhamos 18 anos... Como em outras noites encontramo-nos na discoteca, não sei o que aconteceu de especial, sei que quando o vi ao som de Pedro Abrunhosa “Não posso mais, viver assim, pensar em ti sem te ter perto de mim...”, não lhe resisti.
No fim da noite, depois de nos despedirmos, disse-lhe que se ele contasse a alguém eu negava e com certeza seria em mim que acreditariam... O Pedro? O Pedro calou-se... obedeceu...
No fim do Verão durante uma tarde quente, comigo deitada na carpete verde, ouvi do outro lado da linha « Vai à rua, e fica um bocadinho ao lado da janela do teu quarto, quero ver-te, tenho uns binóculos»
Assim fiz, a rir e fiquei lá uns minutos, a minha casa (dos meus pais) fica num alto, isolada da povoação e da janela do meu quarto vê-se a casa dele.
Quando entrei em casa o telefone já tocava.
«Adorei ver-te!»
Se tinha ainda alguma dúvida de que estava apaixonada ela dissipou-se com o som da sua voz...
Vivemos um verão de encontros e desencontros, eu não assumi nada e ele foi-se submetendo... a cada vez que ele me obedecia eu perdia um bocadinho de respeito por ele... considerava-o fraco, sem personalidade... eu... eu era forte, julgava, fazia o que queria e quando queria... e como quem pode manda...


(continua)

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

EU (continuação)

Calcei as amadas pantufas de pêlo e fui até à cozinha, precisava comer, tinha que fazer o esforço de comer, lanchara café com cigarros... Olhei à volta implorando por inspiração divina para um jantar fácil, não tinha paciência para cozinhar, é certo que podia sair à rua e comer no café da esquina, ou levar comida para casa, mas os olhos vermelhos e inchados não eram grande cartão de visita e ainda que não tivesse que me explicar a ninguém tinha um teatro a manter.
Da bancada as massas ofereceram-se e aceitei.
Percorri o corredor estreito voltando à sala para mergulhar nas folhas amareladas que se confundiam com o creme do sofá.
« 04 / 11 / 1996
Já passou o aniversário do Pedro (25 de Outubro), fui lá no fim de semana passado. Sexta-feira dia 1 de Novembro, fui ter com ele ao café, pela porta dos fundos, às escondidas, ofereci-lhe uma prenda, acho que ele gostou. Quando nos despedimos trocámos dois beijos rápidos, mas foi bom, muito bom!
Não o voltei a encontrar e fiquei na merda... hoje continuo...
Amanhã vou por no correio um postal que tinha para lhe dar, mas que não tive coragem porque é muito lamechas, assim não o vejo e vou ter coragem.
Estou desesperada...
Marta»
« 05 / 11 / 1996
Telefonei-lhe para saber se ele cá vem amanhã, ele disse que vem se o pai lhe emprestar o carro, mas que ainda não sabia. Pedi-lhe que me disse-se ainda hoje, mesmo que seja para dizer que não vem. Prometeu que dizia. É quase meia noite e ainda não ligou... mais uma desilusão, porque não vem e porque não diz nada... já nunca cumpre...!
Marta»
Engoli o jantar na mesa da cozinha, habitualmente janto na sala, em frente à televisão, mas naqueles dias, precisava sentir-me miserável, cumprir o ritual de auto tortura, sofrer tudo no mesmo dia, para na manhã seguinte poder saborear um dia tranquilo. Da sala chegava até mim a voz de Nuno Guerreiro “(...)Tento manter a calma às vezes parece que não te ligo, pode parecer até que te esqueço, mas só quero estar contigo (...)”, quando larguei o prato sujo no lava loiças. Regressei ao sofá.
Acendi mais um velho e traiçoeiro companheiro e comecei a escrever.
«26 / 04 / 2006
Hoje, mais uma vez, não posso evitar recordar-te, as saudades aumentam a cada dia, como se quisessem de vez gritar o meu amor!É difícil ter que viver em silêncio, amordaçada, é acima de tudo difícil não te ter comigo, não te ver, não saber o que pensas, não saber o que sentes, não saber como vives... não saber se por vezes, ainda que por momentos, tu me recordas, se manténs a minha fotografia, ou se como dizias a rasgas-te e deitas-te no lixo!
São tantas as dúvidas que há dias em que duvido da única certeza, a certeza de que te amo! Por vezes acho que é apenas saudade de outros tempos, mas hoje, como em muitos outros dias, sei que são saudades de ti, do teu sorriso de menino, do teu toque, do teu beijo...
Quero saber que estás bem, que estás feliz, embora o meu egoísmo peça que te lembres de mim, com saudade, com carinho, ou até mesmo com raiva, peço a Deus que me recordes, peço a Deus que saibas que te amo e que te amei, peço a Deus muitas vezes que esta minha dor acabe, e muito mais vezes ainda que ao longo da vida nunca deixe de me doer...
Tu foste e és o sentimento mais verdadeiro, o mais complicado e tão simples que é quase infantil!Os anos passam por mim e as minhas feridas continuam abertas, continuo a precisar de as lamber para poder continuar.
Sinto que tenho duas vidas, uma real e outra de fantasia, como duas estradas paralelas, que ao olharmos o infinito se confundem, mas que quando avançamos não conseguimos alcançar esse ponto no horizonte. Eu continuo a avançar com a ilusão da criança que tenta encontrar a ponta do arco íris, porque nos meus sonhos mais profundos acredito que um dia as duas estradas se vão cruzar, na terra, no céu, ou num outro lugar ou outra vida...
Acreditando apenas que não acabou o que para mim existirá para sempre!»
Fiz uma pausa breve, limpei as lágrimas silenciosas e procurei outra folha de papel. Estava serena... em silêncio, tinha aprendido com o tempo a calar tudo, até o choro!
«Recordo aquela última noite, das melhores e também a pior de todas, aquela que eu sabia que seria a última. Quando fecho os olhos ainda consigo sentir o teu cheiro, a tua pele, os teus lábios...
Passou uma década e eu não esqueci o que dissemos na despedida. Pedi-te um beijo e disse que seria o último, tu olhaste-me e disseste que não podia ser o último, tinhas os olhos mais bonitos que já vi... Não sei se te respondi, não sei se voltámos a falar nessa noite, sei apenas que trocámos o último beijo... que continuo a ouvir até hoje as tuas palavras num misto de dúvida e suplica.
Ah! Como eu queria voltar atrás e pedir-te um beijo que seria o primeiro que trocaríamos ao longo da vida, entre brigas e carinhos. Como eu gostava de ter estado errada naquele dia e não ter sido o último, mas a vida deu-me razão, uma razão que eu não queria, que me atormenta.Por vezes ainda acredito em ti quando dizes – o último não... não pode ser... – mas é apenas o eco do que ouvi naquele dia!
As nossas vidas seguiram caminhos diferentes, mas eu não sou feliz, não como naquela noite, nos teus braços, ainda que as emoções de hoje sejam de mulher, são as de menina que tinha contigo as que mais quero. Queria ter crescido contigo, queria viver contigo, envelhecer a teu lado e até morrer.
Sinto-me sem sentido, porque nunca o disse... porque perdi o rumo e não sei regressar... morro de medo de um dia ter coragem, de voltar e não te encontrar, ainda não o fiz para não perder o pouco que me resta, a ilusão!
Dou por mim a pensar que estou a colher o que plantei, mas como em tudo na vida não há verdades absolutas, não há o que é só bom ou só mau...
Culpo-me acima de tudo pela cobardia que tive e tenho em não assumir o meu amor, culpo-me por me sentar a escrever enquanto o tempo passa, quando devia sair à rua e ir à luta... sei que me amas-te e se o tempo apagou o teu amor também te deve ter acalmado a raiva!
Marta»
Passava das duas da manhã quando vencida pelo cansaço entrei na cama, aconcheguei-me e pedi a Deus um sinal, uma luz no meu caminho.
(continua)

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

EU

Este blog foi criado com um propósito, que embora discutível é algo que me propus fazer. Hoje, antes que me desvie do caminho traçado, começo a confessar uma história, a minha, que não é perfeita que nem sempre é bonita, mas que é real, está escrita quase há um ano, o tempo que demorei a decidir-me a mostrá-la.
Nos próximos dias será dela que se falará por aqui. Aos que ficarem, um obrigada pela paciência, aos que partirem, um obrigada por terem vindo!
Beijos, Marta.


O sol entrava pela janela do quarto, desenhando rectângulos amarelos na parede branca, o despertador tocava insistentemente, procurei-o a tacto e desliguei-o novamente, para adiar o inevitável por mais cinco preciosos minutos. Repeti o ritual uma última vez e levantei-me finalmente.
A corrida matinal estava iniciada, lavei os dentes enquanto a água já corria na banheira, tomei um duche rápido e saí a correr. Os dois lances de escada pareceram-me maiores, como se os degraus se multiplicassem todas as manhãs só para me atrasar. Já na rua percebi que estava um dia bonito, mas não tinha tempo para esse tipo de considerações, o objectivo era a batalha de 5 km que me separavam do escritório.
Olhei novamente o relógio que descontrolado avançava furiosamente, enquanto o transito tinha a velocidade estonteante de um caracol. Vi as horas, praguejei, vi as horas, prometi a mim mesma que começaria a acordar mais cedo, vi as horas, vi as horas, vi as horas...
Enquanto engolia o café, revia a imagem dele no meu sonho, conservava o rosto de menino, os traços que os meus dedos percorreram, mas o olhar e a atitude controlada era um mistério, era um homem na pele do miúdo que eu amei. Afastei os pensamentos, paguei o café e percorri os poucos metros que me separavam do escritório em passos apressados, passavam doze minutos das oito horas quando me sentei atrás da secretária.
«Podia ter sido bem pior...» murmurei com um sorriso de vitória, o escritório estava deserto.
Comecei por organizar o dia, verificar compromissos, abrir o correio... sem que eu conseguisse evitar a mesma imagem assaltava-me o pensamento, aquele ligeiro sorriso a bailar-lhe nos lábios... ao longo do dia as recordações foram surgindo como fantasmas... roubando-me a paz...
Os três anos anteriores já tinham sido assim, os sonhos frequentes, as memórias que não sabia ao certo se existiam ou se faziam parte do meu delírio, a roçar a loucura!
Entrei em casa pouco depois das seis, estava finalmente livre para me sentir miserável, para me lamentar e ter pena de mim...
No escritório, uma divisão pequena atulhada de tralha, numa das prateleiras arqueadas pelo peso, estavam três cadernos que retirei uma vez mais do lugar, as folhas soltas que lhes fui acrescentando ao longo dos anos saíam irregularmente pelas laterais, espelhando a minha desorganização.
Larguei-os sobre o sofá da sala, e permaneci em pé a olhá-los, da capa ligeiramente erguida de um deles podia ver a igreja em que entrei uma única vez há quase doze anos atrás. Observei a tira visível do lado direito do altar, a fotografia fora tirada numa tarde de Junho, uma tarde quente em que nós estávamos felizes junto ao altar, uma tarde tão longínqua que muitas vezes pergunto-me se existiu, se foi como a recordo ou se a minha memória retorcida criou lembranças fantasmas. Num impulso agarrei-a precisava de cada emoção que ela me dava sempre que em dias como aquele lhe tocava, como um viciado em busca de uma dose, não podia adiar mais...
Acendi um cigarro e comecei a folhear as velhas lembranças.
Da fotografia olhava-me uma criança assustada, uma menina fantasiada de mulher no seu vestido preto, sustendo a respiração, enquanto o menino lhe prende a fita de finalista ao peito. Ele está de perfil, concentrado na sua tarefa, mordendo o lábio com um sorriso! Estava tão lindo... era tão lindo... é tão lindo!
Com os olhos fechados e a mão direita aberta sobre ela, consumi as sensações do passado que me entravam por todos os poros da pele, fantasiando que tinha ainda dezoito anos e que o mundo ainda era cor de rosa.
Dei mais um trago no cigarro e continuei a viagem.
Entre as folhas de papel estava o envelope amarelecido pelo tempo, de dentro dele surgiu o postal, o ursinho continua a sorrir enquanto desfolha o malmequer, sorri porque ignora que no fim ficará uma única pétala, o mal me quer. Desdobrei-o, a minha própria letra, trémula, dizia «Um beijinho, Marta», por baixo da letra impressa “ Eu aqui... tu aí... um de nós está no sitio errado...!”. Pela cara rolou a mesma lágrima de sempre, a que corre e eu engulo para não nos separarmos.
Tinha escolhido o postal para o aniversário dele, o vigésimo primeiro, mas fui incapaz de lho entregar e decidi que o enviaria pelo correio, não o estaria a olhar e expor-me seria mais fácil... mas os dias passaram, depois as semanas, os meses, os anos... e nunca o enviei, conservei-o comigo, juntamente com a dúvida do que teria acontecido se um dia ele tivesse chegado ao seu destino!
A insegurança daqueles tempos apoderou-se de mim, como havia acontecido nos outros dias de ressaca que vivera. A miscelânea de sentimentos, o medo, a dor, a saudade, esmagava-me o corpo, latejava nas veias envenenando cada segundo.
«Estou» Respondi ao aparelho que me devolvia a realidade.
«Olá! Boa noite!»
«Olá mãe! Tudo bem com vocês?»
«Vamos andando com as nossas coisas, mas nada de especial e contigo? Correu bem o teu dia?»
«Sim» Menti.
«Já sabes se vens no fim de semana?»
«Ainda não, estamos a terminar a obra de Santarém, vamos ter lá o pessoal a trabalhar e em principio vou ter que lá ir. Eu ligo quando souber se trabalho.»
«Está bem... já cá não vens à três semanas...»
Não sei se a minha mãe algum dia me entendeu, aliás, não sei se alguém algum dia me entendeu verdadeiramente, e eu incluo-me neste alguém. Muitas vezes deve pensar que enlouqueci, não aprova o meu gosto pela solidão, não entende a minha aversão a ser mãe, enfim, não sou com certeza a mulher que ela sonhou enquanto me observava a brincar em criança. Não me estou a queixar, ela é a melhor mãe que eu poderia ter, sempre me deu amor, atenção, repreende-me quando necessário, e acima de tudo disse-me nos momentos mais difíceis que sou sua filha e que ainda que nem sempre aprove as minhas escolhas, nunca deixará de estar do meu lado. Temos uma boa relação, confiamos uma na outra, o nosso senão é a distância, saí de casa com dezoito anos quando entrei na faculdade e só vou ao Alentejo de fim de semana ou durante as férias. Sei que os meus país sofrem com a minha ausência. O meu pai é mais reservado, não se expressa com a naturalidade da minha mãe, sinto-lhe por vezes a voz tremida na despedida, mas simplesmente fingimos que não aconteceu.
Saí de lá à procura de mim, dos meus sonhos. Na província teria sempre uma vida demasiado pequena para o que eu julgava querer, aborreciam-me os campos, tinha-me fartado de comer terra durante a infância, cansava-me ter que sorrir aos vizinhos todos os dias, irritava-me o facto de se acharem todos conhecedores da vida alheia, queria liberdade e independência... cumpri muitos objectivos. Não preciso de sorrir aos vizinhos nos dias de neura, murmuro um bom dia e já me consideram educada, com certeza tecem teorias sobre a minha existência, mas nenhuma me belisca porque ignoro o seu conteúdo. Sou independente, tenho uma vida profissional interessante, vivo na ilusão de que sou competente... mas não me encontrei, porque permaneço lá pelos campos floridos na primavera, cheirando a terra molhada do inverno, adormecida na paz das planícies, sorrindo com aquela gente simples com quem me identifico... e a liberdade? Que raio de liberdade era essa que dizia ter aos amigos, aos familiares, que raio de liberdade era essa que eu fingia ter enquanto me obrigava a viver na minha própria ditadura, a nossa pior mentira é aquela que repetimos todas as noites antes dormir na solidão do nosso quarto...

(continua)

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Martini

Cheguei a casa mais cedo, já tive tempo para um banho rejuvenescedor e coloquei o jantar no forno. Desfruto de um martini, com a serenidade que as duas últimas semanas de trabalho me proporcionam. Vou cumprindo a minha missão e posso observar o cair do pano sobre o dia, na protecção de quatro paredes. As paredes que me embalam, que me escutam e afagam o rosto nos dias de dor. As paredes que me protegem da violência do exterior. As paredes que presenciam momentos de entrega e paixão. As paredes que me sussurram que o mundo lá fora espera por mim e a quem habitualmente faço orelhas moucas. As paredes mais velhas que eu, as paredes que testemunharam a vida de outras mulheres e homens, as suas agruras e prazeres, as paredes que me acompanharão muito depois de eu partir, embora elas continuem por cá, com outras gentes.
Mais um golo da bebida. Gosto do contraste do gelo com o calor do álcool. Gosto de o desfrutar muito de quando em quando, gosto de sentir o dia especial e oferecer a mim mesma o prazer de um martini à janela da cozinha, enquanto o manto da noite desce sobre as ruas. Gosto do ritual, do rodar o copo, do estalido do gelo a quebrar, da casca de limão que teima em colar-se no copo e do rodopio que imprimo no liquido para a contrariar. Gosto da música calma que chega da sala e do guinchar da rua, enquanto me concentro no estalido do gelo. Gosto do prazer solitário. Agridoce.
Posso mesmo afirmar que em muitos dos meus dias gosto da minha solidão. Sempre a mantive por perto, mesmo durante os meus vários amores. A solidão é a minha mais fiel amiga e companheira, a melhor amiga. Sim é a minha melhor amiga. Tem a capacidade de ouvir todas as confidências, todos os temores, todos os sucessos, conhece-me melhor do que eu própria e mesmo assim nunca se ausentou, levei-a na bagagem de cada viagem e ela ficava sempre lá, pronta a ser desembalada... Sempre que a chamo ela vem, mesmo na multidão de uma festa, quantas vezes ela dança comigo nas pistas das discotecas, imperturbável, enquanto um ou outro homem, ou mesmo mulher tenta a sua sorte!O jantar é especial, estou em dia de me mimar. Sinto-me bem com o meu trabalho. Sinto-me bem comigo. Gosto da brisa que chega da rua e me acaricia o rosto, do meu martini, do aroma da refeição, do meu “apertamento” a que chamo lar para lhe dar um ar pomposo. Não tenho um motivo palpável para a minha felicidade, mas sim estou feliz. Mais do que feliz, estou agradecida por estar viva!

domingo, 7 de janeiro de 2007

A amiga do amigo

E quando menos esperava eis que conheço, ao fim de anos, uma mulher interessante... Não, não me enganei, queria mesmo dizer mulher!
Sentou-se na minha frente num jantar de aniversário de um amigo, e senti uma afinidade inexplicável, passei o jantar a compará-la mentalmente com a Cristina, uma velha amiga com quem perdi o contacto. Fiquei boquiaberta ao ver-lhe os mesmos tiques, os mesmos termos, foi como se recuasse no tempo e voltasse ás tardes passadas em volta de uma chávena de café e muitos, muitos cigarros. É verdade que fisicamente são distintas, mas têm a mesma voz, o mesmo brilho! Só vos posso dizer que me encantou.
Foi muito bom conhecer uma mulher diferente, vi-a sem futilidades, com conversas de treta sim, mas uma treta assumida, um sentido de humor retorcido como o meu, senti-a semelhante.
Talvez através dela eu possa realizar um dos meus muitos planos adiados!

Espero esse telefonema Alice:)

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

"Queridinhos"

Olá! Hoje venho aqui apenas para aliviar o stress. Assim sendo, faço desde já a seguinte advertência:

As palavras que se seguem podem ser consideradas chocantes ou ofensivas, pelo que aconselho aos mais sensíveis a pararem desde já a sua leitura.
...
Já estão cá só os fortes???
...
Ei, você aí, ainda está a tempo de bazar!!!
...
Ah! Agora sim, avancemos.

“Meus amigos”, seguindo o rumo indicado pelo Atento, vou chamar as coisas pelos nomes e não me ocorre uma expressão melhor do que esta para descrever o meu dia:

Andam-me a foder o juízo!!!

O dia começou mal, adormeci. Desde aí é só piorar... Não há cabrão nenhum que me desampare a loja.
Pois bem meus meninos, aqui vai o que tenho pensado de e sobre vocês o dia todo, sempre que vos vejo, sempre que vos ouço, sempre que vos imagino, resumindo a tempo inteiro e sem intervalar:
- Estou fartinha de vos aturar;
- Quero que metam as vossas teorias de merda cu acima;
- Se são tão bons no que fazem e auto-suficientes, deviam fazer tudo sozinhos, eu ia adorar;
- Se querem brincar, vão brincar com a coisinha que o papá e a mamã vos fizeram, por mais pequenina e desinteressante que seja, e eu não duvido que se enquadrem nesta descrição;
- Se querem brigar, pois bem, que o façam, eu fico na bancada a aplaudir!

“Meus amorzinhos” uma mensagem carinhosa para os queridinhos neste inicio de ano: Vão-se foder!

Qualquer dia passo-me de vez da marmita e mando-vos a todos pro caralho!!!

AAAAAAAAAAHHH! Que bem me soube...

Desculpem lá qualquer coisinha...

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

E agora?

No barulho dos meus dias
Tento escutar o meu silêncio.
Tento perceber para onde caminho, como e porque vou por aqui.
Estranhamente encontro-me muda! Sim, eu, a tagarela de serviço!
Alguém trocou o baralho e voltou a dar jogo... o que é uma lástima porque as cartas já não estão marcadas e os trunfos que tinha já não são trunfos! E agora? Vou a jogo, ou jogo pelo seguro?
Desengane-se quem pense que falo em homens, falo do que me é mais importante, da minha família, dos meus amigos, do meu trabalho, da minha casa, de mim. Os homens são há muito tempo só um acessório. É verdade que completam o conjunto, que lhe dão um brilho especial, mas ninguém sai para rua só de colar!
Falo do meu futuro em termos práticos, falo dos projectos que vou adiando porque é arriscado, porque é longe, porque sei lá... sei lá eu porquê. Vou adiando e é só.
E desta vez, se chegar a ser, como será?
Ai, fala comigo Marta... porra pra ti não me respondes??? Dá-me um sinal, qualquer coisa... irra mulher tás surda também?!

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

A casa

Com o sol a beijar-me a pele comecei a rabiscar num papel a casa que durante anos me povoara as fantasias. Coloquei-a no papel para a arrancar de mim sem a perder para sempre. Quando percebi, estava a escrever-te uma última vez junto ao desenho:

Hoje não estou desesperada, não me falta o ar e sei muito bem onde piso.
Saudade? Sim, certamente, mas hoje até a saudade é calma. Sinto que o mundo é meu... hoje posso tudo!
Desenhei uma casa para mim, na nossa terra, decorei as várias divisões, elegi o meu recanto favorito e sentei-me no alpendre com o cheiro da tinta fresca.
Tu apareceste naturalmente, dividiste a casa comigo, mas não soube eleger o teu recanto... Que interesses teríamos em comum? Que cores quererias ver nas paredes? Que música ouviríamos juntos? Será que como eu achas linda a nossa terra? Todas as dúvidas hoje são apenas uma infinidade de possibilidades para a fantasia...
Ergui a casa que não vou construir e vivo nela com um homem que não existe. Construi tudo, a estrada de acesso, o meu local de trabalho, o jardim... partilho tudo com o homem dos meus sonhos, que tem o teu rosto, mas inevitavelmente não és tu!
Estou feliz nesta casa com este homem... só hoje!

Dormira poucas horas e durante a manhã resolvera fazer-lhe o funeral. Juntei os cadernos que viviam nos cantos escuros da casa e me sugavam as forças como vampiros. Olhei-os uma última vez e concentrei-me para lhes cravar a estaca.
Esvaziei a caixa dos jogos e usei-a como urna.
Fiquei a observá-la já fechada, contendo uma década da minha vida. Estava decidida e convencida de que o iria esquecer.

Dona de mim

Entre copos, gargalhadas e alguns percalços 2007 chegou...
Chegou assim como os que o precederam, anunciado e desejado... mas veio envolto numa neblina pouco habitual.
Nos últimos dias de 2006, aconteceram tantas coisas, que me encontro entre o apreensiva e o radiante. Como acontecera ao longo do ano, as emoções dividiram-se por quase todos os aspectos da minha vida, familiar, profissional e amorosa.
O mundo gira numa velocidade alucinante, sinto o hoje distante do ontem e o amanhã diferente do hoje, não sei se melhor... apenas diferente!
Tenho as rédeas da minha vida quase seguras nas mãos, sinto que com um pequeno esforço as agarrarei de vez e aí meus amigos, não vai haver quem me segure. As janelas estão abertas, o sol nasce no horizonte e eu estou quase pronta para o mundo, ainda tenho medo, ainda estou insegura, mas sou quase dona de mim.
Sei que a luta vai ser dura, sei que surgirão baixas, sei que haverá revelações, sei que vou chorar, sei que será difícil... mas estou a aprender a acreditar em mim.

Como diz a velha música:

“Que venha essa nova mulher de dentro de mim,
Com olhos felinos felizes e mãos de cetim
E venha sem medo das sombras, que rondam o meu coração,
E ponha nos sonhos dos homens
A sede voraz, da paixão
Que venha de dentro de mim, ou de onde vier,
Com toda malícia e segredos que eu não souber
Que tenha o cio das onças e lute com todas as forças,
Conquiste o direito de ser uma nova mulher
Livre, livre, livre para o amor....quero ser assim, quero ser assim
Senhora das minhas vontades
E dona de mim livre, livre, livre para o amor, quero ser assim,
Quero ser assim, senhora das
Minha vontades e dona de mim....
Que venha de dentro de mim, ou de onde vier,
Com toda malícia e segredos que eu não souber
Que tenha o cio das corças e lute com todas as forças,
Conquiste o direito de ser uma nova mulher
Livre, livre, livre para o amor quero ser assim, quero ser assim,
Senhora das minhas vontades
E dona de mim livre, livre, livre para o amor, quero ser assim,
Quero ser assim, senhora das
Minhas vontades e dona de mim....
Que venha essa nova mulher de dentro de mim
Que venha de dentro de mim ou de onde vier
Que venha essa nova mulher de dentro de mim”

Não vos posso ainda dizer se evoluo ou regrido, mas sem dúvida estou em mutação.