segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Martini

Cheguei a casa mais cedo, já tive tempo para um banho rejuvenescedor e coloquei o jantar no forno. Desfruto de um martini, com a serenidade que as duas últimas semanas de trabalho me proporcionam. Vou cumprindo a minha missão e posso observar o cair do pano sobre o dia, na protecção de quatro paredes. As paredes que me embalam, que me escutam e afagam o rosto nos dias de dor. As paredes que me protegem da violência do exterior. As paredes que presenciam momentos de entrega e paixão. As paredes que me sussurram que o mundo lá fora espera por mim e a quem habitualmente faço orelhas moucas. As paredes mais velhas que eu, as paredes que testemunharam a vida de outras mulheres e homens, as suas agruras e prazeres, as paredes que me acompanharão muito depois de eu partir, embora elas continuem por cá, com outras gentes.
Mais um golo da bebida. Gosto do contraste do gelo com o calor do álcool. Gosto de o desfrutar muito de quando em quando, gosto de sentir o dia especial e oferecer a mim mesma o prazer de um martini à janela da cozinha, enquanto o manto da noite desce sobre as ruas. Gosto do ritual, do rodar o copo, do estalido do gelo a quebrar, da casca de limão que teima em colar-se no copo e do rodopio que imprimo no liquido para a contrariar. Gosto da música calma que chega da sala e do guinchar da rua, enquanto me concentro no estalido do gelo. Gosto do prazer solitário. Agridoce.
Posso mesmo afirmar que em muitos dos meus dias gosto da minha solidão. Sempre a mantive por perto, mesmo durante os meus vários amores. A solidão é a minha mais fiel amiga e companheira, a melhor amiga. Sim é a minha melhor amiga. Tem a capacidade de ouvir todas as confidências, todos os temores, todos os sucessos, conhece-me melhor do que eu própria e mesmo assim nunca se ausentou, levei-a na bagagem de cada viagem e ela ficava sempre lá, pronta a ser desembalada... Sempre que a chamo ela vem, mesmo na multidão de uma festa, quantas vezes ela dança comigo nas pistas das discotecas, imperturbável, enquanto um ou outro homem, ou mesmo mulher tenta a sua sorte!O jantar é especial, estou em dia de me mimar. Sinto-me bem com o meu trabalho. Sinto-me bem comigo. Gosto da brisa que chega da rua e me acaricia o rosto, do meu martini, do aroma da refeição, do meu “apertamento” a que chamo lar para lhe dar um ar pomposo. Não tenho um motivo palpável para a minha felicidade, mas sim estou feliz. Mais do que feliz, estou agradecida por estar viva!

13 comentários:

Mina disse...

É bom sentirmo-nos assim, seguras e felizes. De muitos momentos desses é que precisamos :)
Bjs, boa semana... sempre cool ;)

wolfhunter disse...

Olá Marta!!!,

O final do teu post é pura sabedoria...

Basta estar vivo para ser feliz...

e o importante é viver a Vida, olhando-a frontalmente e não o seu reflexo...

Gostei de te encontrar...

W.

GK disse...

Grande texto sobre pequenos prazeres e uma verdade inegável: a de que podemos "ser todos um", mas é como um que enfrentamos todos... Quem conquista essa calma, é, de facto, feliz. Pena que essa calma tem de ser conquistada dia após dia após dia após dia... porque é TÃO fácil perdê-la... E dói mais não a ter quando já a conhecêmos...

Que sejas feliz sempre.

Marta disse...

Mina,
Se soubermos "armazenar" estes nossos momentos, eles são óptimos calmantes nos dias de dor.
bj

Wolfhunter,
É mt bom ser encontrada:)
A casa é tua... aparece ou não sempre que quiseres.
Sabedoria? Eu direi tropeções, desastres e encontros... comigo mesma!

Gk,
Esta calma é saborosa exactamente por ser suada e rara, perco-a tanto, dói tanto quando a perco, mas sigo pq sei q ela me espera. Se não esperar... eu corro atrás... umas vezes mais cansada que outras... mas vou seguindo!
bj

Anónimo disse...

Escreves-me muito bem! =)
Beijinhos*

Borboleta disse...

:) estar viva é uma grande dádiva...ningúém é feliz com outra pessoa..se não for feliz com ela própria ...por isso estás no caminho certo..jinhos

Esteril disse...

Cara Marta,
Quando estiveres triste, bebe um trago desse martini que me parece dos bons, pelo menos os efeitos secundários parecem-me bem. Já agora qual a marca? Bianco ou tinto? As vezes também queria um copito desses... lol
Ainda bem que gostas de ti e a solidão também para mim é a minha maior aliada, sempre o foi. Somos todos seres solitários com afinidades e com mais ou menos partilha de coisas, momentos e emoções.
bjs

Anónimo disse...

Que bom que tu sentes! ;)
Post de salutar...!
bom mesmo.

Anónimo disse...

bonito post...!

Marta disse...

Obrigada pelas vossas palavras, elas são importantes para mim.
Quanto a este post não o sinto sempre nem me embriaguei com o martini:)
Simplesmente aprendi com os anos que por vezes estarmos felizes depende exclusivamente de nós. Claro que devemos ser exigentes, claro que não nos devemos acomodar ás situações, claro que devemos lutar, mas os guerreiros também descansam... devemos fazer desse descanso um momento feliz, ainda que fugaz...
Desejo-vos muitos “momentos martini”!
bj

Belzebu disse...

Frequentemente tenho destes momentos martini! Talvez porque como tu dizes, estou de bem comigo e com a vida. Quanto à solidão sinto que é de facto a minha eterna companheira, em quem confio incondicionalmente!

Saudações infernais e parabéns pelo blog!

Xanusca disse...

Olá Marta.
Vim cá parar e gostei de te ler.
Por este post, poderia dizer que somos Martas parecidas ;)
Voltarei

Sonhador disse...

Estou a caminho de dizer o mesmo, o último ano foi dificil para mim, mas no fim do ano acordei, ninguém vale este sofrimento e estou a chegar à fase de dizer "estou vivo, que bom!!". Gostei muito do teu texto, vê-se que és uma mulher que sabe o que quer.

Um doce sonho.