sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

EU (continuação)

Calcei as amadas pantufas de pêlo e fui até à cozinha, precisava comer, tinha que fazer o esforço de comer, lanchara café com cigarros... Olhei à volta implorando por inspiração divina para um jantar fácil, não tinha paciência para cozinhar, é certo que podia sair à rua e comer no café da esquina, ou levar comida para casa, mas os olhos vermelhos e inchados não eram grande cartão de visita e ainda que não tivesse que me explicar a ninguém tinha um teatro a manter.
Da bancada as massas ofereceram-se e aceitei.
Percorri o corredor estreito voltando à sala para mergulhar nas folhas amareladas que se confundiam com o creme do sofá.
« 04 / 11 / 1996
Já passou o aniversário do Pedro (25 de Outubro), fui lá no fim de semana passado. Sexta-feira dia 1 de Novembro, fui ter com ele ao café, pela porta dos fundos, às escondidas, ofereci-lhe uma prenda, acho que ele gostou. Quando nos despedimos trocámos dois beijos rápidos, mas foi bom, muito bom!
Não o voltei a encontrar e fiquei na merda... hoje continuo...
Amanhã vou por no correio um postal que tinha para lhe dar, mas que não tive coragem porque é muito lamechas, assim não o vejo e vou ter coragem.
Estou desesperada...
Marta»
« 05 / 11 / 1996
Telefonei-lhe para saber se ele cá vem amanhã, ele disse que vem se o pai lhe emprestar o carro, mas que ainda não sabia. Pedi-lhe que me disse-se ainda hoje, mesmo que seja para dizer que não vem. Prometeu que dizia. É quase meia noite e ainda não ligou... mais uma desilusão, porque não vem e porque não diz nada... já nunca cumpre...!
Marta»
Engoli o jantar na mesa da cozinha, habitualmente janto na sala, em frente à televisão, mas naqueles dias, precisava sentir-me miserável, cumprir o ritual de auto tortura, sofrer tudo no mesmo dia, para na manhã seguinte poder saborear um dia tranquilo. Da sala chegava até mim a voz de Nuno Guerreiro “(...)Tento manter a calma às vezes parece que não te ligo, pode parecer até que te esqueço, mas só quero estar contigo (...)”, quando larguei o prato sujo no lava loiças. Regressei ao sofá.
Acendi mais um velho e traiçoeiro companheiro e comecei a escrever.
«26 / 04 / 2006
Hoje, mais uma vez, não posso evitar recordar-te, as saudades aumentam a cada dia, como se quisessem de vez gritar o meu amor!É difícil ter que viver em silêncio, amordaçada, é acima de tudo difícil não te ter comigo, não te ver, não saber o que pensas, não saber o que sentes, não saber como vives... não saber se por vezes, ainda que por momentos, tu me recordas, se manténs a minha fotografia, ou se como dizias a rasgas-te e deitas-te no lixo!
São tantas as dúvidas que há dias em que duvido da única certeza, a certeza de que te amo! Por vezes acho que é apenas saudade de outros tempos, mas hoje, como em muitos outros dias, sei que são saudades de ti, do teu sorriso de menino, do teu toque, do teu beijo...
Quero saber que estás bem, que estás feliz, embora o meu egoísmo peça que te lembres de mim, com saudade, com carinho, ou até mesmo com raiva, peço a Deus que me recordes, peço a Deus que saibas que te amo e que te amei, peço a Deus muitas vezes que esta minha dor acabe, e muito mais vezes ainda que ao longo da vida nunca deixe de me doer...
Tu foste e és o sentimento mais verdadeiro, o mais complicado e tão simples que é quase infantil!Os anos passam por mim e as minhas feridas continuam abertas, continuo a precisar de as lamber para poder continuar.
Sinto que tenho duas vidas, uma real e outra de fantasia, como duas estradas paralelas, que ao olharmos o infinito se confundem, mas que quando avançamos não conseguimos alcançar esse ponto no horizonte. Eu continuo a avançar com a ilusão da criança que tenta encontrar a ponta do arco íris, porque nos meus sonhos mais profundos acredito que um dia as duas estradas se vão cruzar, na terra, no céu, ou num outro lugar ou outra vida...
Acreditando apenas que não acabou o que para mim existirá para sempre!»
Fiz uma pausa breve, limpei as lágrimas silenciosas e procurei outra folha de papel. Estava serena... em silêncio, tinha aprendido com o tempo a calar tudo, até o choro!
«Recordo aquela última noite, das melhores e também a pior de todas, aquela que eu sabia que seria a última. Quando fecho os olhos ainda consigo sentir o teu cheiro, a tua pele, os teus lábios...
Passou uma década e eu não esqueci o que dissemos na despedida. Pedi-te um beijo e disse que seria o último, tu olhaste-me e disseste que não podia ser o último, tinhas os olhos mais bonitos que já vi... Não sei se te respondi, não sei se voltámos a falar nessa noite, sei apenas que trocámos o último beijo... que continuo a ouvir até hoje as tuas palavras num misto de dúvida e suplica.
Ah! Como eu queria voltar atrás e pedir-te um beijo que seria o primeiro que trocaríamos ao longo da vida, entre brigas e carinhos. Como eu gostava de ter estado errada naquele dia e não ter sido o último, mas a vida deu-me razão, uma razão que eu não queria, que me atormenta.Por vezes ainda acredito em ti quando dizes – o último não... não pode ser... – mas é apenas o eco do que ouvi naquele dia!
As nossas vidas seguiram caminhos diferentes, mas eu não sou feliz, não como naquela noite, nos teus braços, ainda que as emoções de hoje sejam de mulher, são as de menina que tinha contigo as que mais quero. Queria ter crescido contigo, queria viver contigo, envelhecer a teu lado e até morrer.
Sinto-me sem sentido, porque nunca o disse... porque perdi o rumo e não sei regressar... morro de medo de um dia ter coragem, de voltar e não te encontrar, ainda não o fiz para não perder o pouco que me resta, a ilusão!
Dou por mim a pensar que estou a colher o que plantei, mas como em tudo na vida não há verdades absolutas, não há o que é só bom ou só mau...
Culpo-me acima de tudo pela cobardia que tive e tenho em não assumir o meu amor, culpo-me por me sentar a escrever enquanto o tempo passa, quando devia sair à rua e ir à luta... sei que me amas-te e se o tempo apagou o teu amor também te deve ter acalmado a raiva!
Marta»
Passava das duas da manhã quando vencida pelo cansaço entrei na cama, aconcheguei-me e pedi a Deus um sinal, uma luz no meu caminho.
(continua)

5 comentários:

Borboleta disse...

Como é bom ler as tuas palavras...apesar de sofridas são palavras doces..não imaginas o número de mulheres que se vai identificar com com a tua história..só que nem todas tem a coragem da descrever...fico à espera da continuação..só desejo que tenha um final feliz...porque pode não ter sido o último beijo..quem sabe se ele não tinha razão... um abraço muito grande para ti ;)

Esteril disse...

Marta,
Não vou comentar este, porque ainda tem (continuacao), n quero correr o risco de ser rude novamente :)
Mas o salto de 10 anos no texto, e depois as palavras ainda como se fossem desse epoca, só me faz pensar que tens sofrido muito e tão não tens vivido o que devias...
No final falarei mais...ou não, eventualmente!
bj

cádis disse...

são historias, pedaços de vida:( um beijinho

GK disse...

Venho agradecer as tuas palavras e perguntar... Isto não se publica...?! :)

Bj.

Marta disse...

Gosto muito de ler as vossas palavras, de alguma forma encorajam-me a continuar o q comecei, com tudo o que isso implica.
bj