Conheço o Pedro desde sempre, frequentámos a mesma escola primária, crescemos na mesma terra, ele faz parte das minhas memórias mais antigas.
Na primeira classe ele dizia à mãe que era meu namorado, ela achava-lhe piada e contava aos meus pais, essas conversas terminavam em gargalhadas e eu, furiosa, escondia-me envergonhada. O Pedro era um “mentiroso”, não éramos namorados e “odiava-o” por inventar essas histórias.
Ainda durante a infância ele mudou-se com os pais e estivemos alguns anos sem nos vermos.
Regressaram quando eu tinha catorze ou quinze anos, ouvi comentar que estavam de volta e fiquei curiosa. Como estaria? Lembrar-se-ia de mim?
Recordo-me da primeira vez que nos vimos, eu vinha da escola, saí do autocarro e lá estava ele junto à paragem, a andar de bicicleta, ficámos parados a alguns metros a olharmo-nos, achei-o mais bonito do que lembrava, trocámos um sorriso tímido e fui para casa sem olhar para trás.
Os meses foram passando, e nós ficando amigos, o pai dele era dono do único café da terra, via-o lá e além disso frequentávamos a mesma escola na cidade.
O Pedro começou a ter dificuldades em matemática e como eu era boa aluna comecei a dar-lhe explicações, é quase inútil dizer que não correu bem, ele ria e fazia palhaçadas e eu admirava-o em silêncio, perdendo o fio à meada... mesmo assim durou meses até os nossos pais perceberem que era inútil e que não fazíamos nada a não ser rir ou eu irritar-me com ele, fingido que queria trabalhar. Pergunto-me ainda hoje se sabíamos que aquelas horas eram somente um pretexto para estarmos juntos!
Durante as férias de Verão eu ficava sozinha em casa e ele também, vivíamos a 1 Km de distância e normalmente eu não ia para a rua, preferia isolar-me com os meus pensamentos, preferia desenhar, ler, sonhar com a vida que um dia eu teria longe dali, com os engarrafamentos que via na televisão... O Pedro ligava-me durante as tardes, passei tantas horas deitada na carpete verde do hall, sentido o fresco dos mosaicos e ouvindo a voz dele, sou incapaz de contar uma única conversa, o tempo encarregou-se de fazer delete, ficaram apenas duas frases ditas no mesmo dia em telefonemas com poucos minutos de intervalo.
Não sei se alguma vez tentou falar de nós, mas se o fez com certeza o interrompi com algum comentário cruel.
A minha adolescência foi complicada, era e ainda sou uma pessoa difícil, muitas vezes afastei os que gostavam de mim e de quem eu gostava por medo de um dia os perder. Preferia não viver quando se tratava de sentimentos, tinha dificuldade em expressar-me. Tinha o meu grupo de amigos claro, poucos e bons como dizia, alguns mantêm-se até hoje, portanto acho que já posso afirmar com certeza de que tinha bons amigos. Mas o Pedro era diferente, o meu coração saltava no peito quando estava com ele, era o meu maior susto.
Naquela altura começou a ser evidente que ele gostava de mim, rodeava-me de atenções, tratava-me com carinho... eu era fria com ele muitas vezes, normalmente nos dias em que o coração se descontrolava, tinha tanto medo de gostar dele, dos meus pais descobrirem e não aceitarem, medo que ele entrasse na minha vida e interferisse nos meus sonhos, aos dezasseis ou dezassete anos, tudo o que se vê é destorcido, pelo menos comigo foi assim.
O Pedro estava sempre presente, tanto que nunca lhe senti a falta, nunca tinha saudades, nunca o apreciei... sim, tive alguns ciúmes, aquando de um ou outro namorico, tal como ele teve de mim, mas eu fingia melhor!
No fim do secundário convidei-o para ser meu padrinho na missa de finalistas. Foi complicado decidir-me, a minha mãe gostava dele, mas o meu pai nem tanto, ouvia-se que ele fumava charros, e para o meu pai esse pormenor não era uma boa característica. Claro que a maior dificuldade da situação estava dentro da minha cabeça, não queria que percebessem que eu gostava dele. Ao contrário do que pensava todos acharam normal que fosse o meu amigo Pedro o meu padrinho.
No dia da missa estava de vestido preto e o cabelo comprido transformara-se num rolo na minha cabeça, ele tinha um fato azul escuro, na altura achei-nos perfeitos - hoje ao olhar a velha fotografia... acho que eu estava perfeita sim, perfeitamente ridícula... mas quero contar-vos a história que podia ter sido tão simples como respirar, quero contar-vos que a única coisa que soubemos fazer de forma simples foi magoarmo-nos, a moda em 94 não me parece relevante para o caso, quis desabafar apenas, chorei tanto a olhar para a fotografia... algumas lágrimas devem ser vergonha, porque além de me ter apresentado assim em publico, guardo a prova, mas onde é que eu ia? Ah! Sim! Nas fatiotas. Éramos duas crianças nervosas, a viver um dia diferente, para mim tratava-se de concluir uma etapa na conquista do meu sonho, sentia-me orgulhosa e sentia que ele se orgulhava de mim, ali do meu lado, em frente ao altar... Penso que estávamos felizes, eu pelo menos estava.
Passei o dia nas nuvens, ele foi perfeito... No fim da tarde começámos a combinar sair à noite, todos os finalistas. Decidi ir jantar com os meus colegas de turma e estupidamente não convidei o Pedro... não possuo qualquer justificação, não me lembro sequer o que me passou pela cabeça, sei só que o fiz...
Combinámos encontrarmo-nos na discoteca, bem, eu dei a ordem e ele acatou, com a cara de cachorro sem dono que durante anos o caracterizou.
Durante o jantar falou-se dele e eu disse que me incomodava o facto dele fumar charros com frequência, nessa altura um dos meus colegas disse que talvez ele mudasse se eu lhe desse uma oportunidade. Fingi ignorar o comentário, mas nunca o esqueci.
Quando me encontrei com ele à porta da discoteca, ele estava diferente, tinha os olhos vermelhos, demorei apenas uns segundos a perceber e discutimos. Como represália passei o resto da noite a dançar e a “fazer olhinhos” a quem calhou, ele, passou a noite a um canto, a olhar-me! Nunca lhe pedi perdão, pensei que tinha razão, pensava sempre... eu era a Sinhá, ele era apenas o escravo...
Numa noite desse verão beijámo-nos pela primeira vez, tínhamos 18 anos... Como em outras noites encontramo-nos na discoteca, não sei o que aconteceu de especial, sei que quando o vi ao som de Pedro Abrunhosa “Não posso mais, viver assim, pensar em ti sem te ter perto de mim...”, não lhe resisti.
No fim da noite, depois de nos despedirmos, disse-lhe que se ele contasse a alguém eu negava e com certeza seria em mim que acreditariam... O Pedro? O Pedro calou-se... obedeceu...
No fim do Verão durante uma tarde quente, comigo deitada na carpete verde, ouvi do outro lado da linha « Vai à rua, e fica um bocadinho ao lado da janela do teu quarto, quero ver-te, tenho uns binóculos»
Assim fiz, a rir e fiquei lá uns minutos, a minha casa (dos meus pais) fica num alto, isolada da povoação e da janela do meu quarto vê-se a casa dele.
Quando entrei em casa o telefone já tocava.
«Adorei ver-te!»
Se tinha ainda alguma dúvida de que estava apaixonada ela dissipou-se com o som da sua voz...
Vivemos um verão de encontros e desencontros, eu não assumi nada e ele foi-se submetendo... a cada vez que ele me obedecia eu perdia um bocadinho de respeito por ele... considerava-o fraco, sem personalidade... eu... eu era forte, julgava, fazia o que queria e quando queria... e como quem pode manda...
(continua)
Na primeira classe ele dizia à mãe que era meu namorado, ela achava-lhe piada e contava aos meus pais, essas conversas terminavam em gargalhadas e eu, furiosa, escondia-me envergonhada. O Pedro era um “mentiroso”, não éramos namorados e “odiava-o” por inventar essas histórias.
Ainda durante a infância ele mudou-se com os pais e estivemos alguns anos sem nos vermos.
Regressaram quando eu tinha catorze ou quinze anos, ouvi comentar que estavam de volta e fiquei curiosa. Como estaria? Lembrar-se-ia de mim?
Recordo-me da primeira vez que nos vimos, eu vinha da escola, saí do autocarro e lá estava ele junto à paragem, a andar de bicicleta, ficámos parados a alguns metros a olharmo-nos, achei-o mais bonito do que lembrava, trocámos um sorriso tímido e fui para casa sem olhar para trás.
Os meses foram passando, e nós ficando amigos, o pai dele era dono do único café da terra, via-o lá e além disso frequentávamos a mesma escola na cidade.
O Pedro começou a ter dificuldades em matemática e como eu era boa aluna comecei a dar-lhe explicações, é quase inútil dizer que não correu bem, ele ria e fazia palhaçadas e eu admirava-o em silêncio, perdendo o fio à meada... mesmo assim durou meses até os nossos pais perceberem que era inútil e que não fazíamos nada a não ser rir ou eu irritar-me com ele, fingido que queria trabalhar. Pergunto-me ainda hoje se sabíamos que aquelas horas eram somente um pretexto para estarmos juntos!
Durante as férias de Verão eu ficava sozinha em casa e ele também, vivíamos a 1 Km de distância e normalmente eu não ia para a rua, preferia isolar-me com os meus pensamentos, preferia desenhar, ler, sonhar com a vida que um dia eu teria longe dali, com os engarrafamentos que via na televisão... O Pedro ligava-me durante as tardes, passei tantas horas deitada na carpete verde do hall, sentido o fresco dos mosaicos e ouvindo a voz dele, sou incapaz de contar uma única conversa, o tempo encarregou-se de fazer delete, ficaram apenas duas frases ditas no mesmo dia em telefonemas com poucos minutos de intervalo.
Não sei se alguma vez tentou falar de nós, mas se o fez com certeza o interrompi com algum comentário cruel.
A minha adolescência foi complicada, era e ainda sou uma pessoa difícil, muitas vezes afastei os que gostavam de mim e de quem eu gostava por medo de um dia os perder. Preferia não viver quando se tratava de sentimentos, tinha dificuldade em expressar-me. Tinha o meu grupo de amigos claro, poucos e bons como dizia, alguns mantêm-se até hoje, portanto acho que já posso afirmar com certeza de que tinha bons amigos. Mas o Pedro era diferente, o meu coração saltava no peito quando estava com ele, era o meu maior susto.
Naquela altura começou a ser evidente que ele gostava de mim, rodeava-me de atenções, tratava-me com carinho... eu era fria com ele muitas vezes, normalmente nos dias em que o coração se descontrolava, tinha tanto medo de gostar dele, dos meus pais descobrirem e não aceitarem, medo que ele entrasse na minha vida e interferisse nos meus sonhos, aos dezasseis ou dezassete anos, tudo o que se vê é destorcido, pelo menos comigo foi assim.
O Pedro estava sempre presente, tanto que nunca lhe senti a falta, nunca tinha saudades, nunca o apreciei... sim, tive alguns ciúmes, aquando de um ou outro namorico, tal como ele teve de mim, mas eu fingia melhor!
No fim do secundário convidei-o para ser meu padrinho na missa de finalistas. Foi complicado decidir-me, a minha mãe gostava dele, mas o meu pai nem tanto, ouvia-se que ele fumava charros, e para o meu pai esse pormenor não era uma boa característica. Claro que a maior dificuldade da situação estava dentro da minha cabeça, não queria que percebessem que eu gostava dele. Ao contrário do que pensava todos acharam normal que fosse o meu amigo Pedro o meu padrinho.
No dia da missa estava de vestido preto e o cabelo comprido transformara-se num rolo na minha cabeça, ele tinha um fato azul escuro, na altura achei-nos perfeitos - hoje ao olhar a velha fotografia... acho que eu estava perfeita sim, perfeitamente ridícula... mas quero contar-vos a história que podia ter sido tão simples como respirar, quero contar-vos que a única coisa que soubemos fazer de forma simples foi magoarmo-nos, a moda em 94 não me parece relevante para o caso, quis desabafar apenas, chorei tanto a olhar para a fotografia... algumas lágrimas devem ser vergonha, porque além de me ter apresentado assim em publico, guardo a prova, mas onde é que eu ia? Ah! Sim! Nas fatiotas. Éramos duas crianças nervosas, a viver um dia diferente, para mim tratava-se de concluir uma etapa na conquista do meu sonho, sentia-me orgulhosa e sentia que ele se orgulhava de mim, ali do meu lado, em frente ao altar... Penso que estávamos felizes, eu pelo menos estava.
Passei o dia nas nuvens, ele foi perfeito... No fim da tarde começámos a combinar sair à noite, todos os finalistas. Decidi ir jantar com os meus colegas de turma e estupidamente não convidei o Pedro... não possuo qualquer justificação, não me lembro sequer o que me passou pela cabeça, sei só que o fiz...
Combinámos encontrarmo-nos na discoteca, bem, eu dei a ordem e ele acatou, com a cara de cachorro sem dono que durante anos o caracterizou.
Durante o jantar falou-se dele e eu disse que me incomodava o facto dele fumar charros com frequência, nessa altura um dos meus colegas disse que talvez ele mudasse se eu lhe desse uma oportunidade. Fingi ignorar o comentário, mas nunca o esqueci.
Quando me encontrei com ele à porta da discoteca, ele estava diferente, tinha os olhos vermelhos, demorei apenas uns segundos a perceber e discutimos. Como represália passei o resto da noite a dançar e a “fazer olhinhos” a quem calhou, ele, passou a noite a um canto, a olhar-me! Nunca lhe pedi perdão, pensei que tinha razão, pensava sempre... eu era a Sinhá, ele era apenas o escravo...
Numa noite desse verão beijámo-nos pela primeira vez, tínhamos 18 anos... Como em outras noites encontramo-nos na discoteca, não sei o que aconteceu de especial, sei que quando o vi ao som de Pedro Abrunhosa “Não posso mais, viver assim, pensar em ti sem te ter perto de mim...”, não lhe resisti.
No fim da noite, depois de nos despedirmos, disse-lhe que se ele contasse a alguém eu negava e com certeza seria em mim que acreditariam... O Pedro? O Pedro calou-se... obedeceu...
No fim do Verão durante uma tarde quente, comigo deitada na carpete verde, ouvi do outro lado da linha « Vai à rua, e fica um bocadinho ao lado da janela do teu quarto, quero ver-te, tenho uns binóculos»
Assim fiz, a rir e fiquei lá uns minutos, a minha casa (dos meus pais) fica num alto, isolada da povoação e da janela do meu quarto vê-se a casa dele.
Quando entrei em casa o telefone já tocava.
«Adorei ver-te!»
Se tinha ainda alguma dúvida de que estava apaixonada ela dissipou-se com o som da sua voz...
Vivemos um verão de encontros e desencontros, eu não assumi nada e ele foi-se submetendo... a cada vez que ele me obedecia eu perdia um bocadinho de respeito por ele... considerava-o fraco, sem personalidade... eu... eu era forte, julgava, fazia o que queria e quando queria... e como quem pode manda...
(continua)
7 comentários:
vou agora tomar um café n posso ler tudo... mas daki a nada volto:) é sempre delicioso ler.te:)
bom domingo:P
cádis/brumadecádis
Marta,
As tuas palavras entraram dentro de mim..., penetrando-me...
e obrigaram-me a revisitar o meu próprio caminho...
e se somos o somatório entre o que sentimos ao longo do que vivemos, mais a capacidade que ainda temos de sentir o que ainda temos para viver...
creio que mais belas que as páginas escritas, são as páginas ainda por escrever...
e a tua escrita é plena de Beleza...
W.
;) já sabes que gosto muito de te ler..fico à espera..jinhos ;)
Wolfhunter,
Espero que as páginas mais bonitas sejam de facto as que estão por escrever...
Obrigada.
Boa semana.
Borboleta e Cádis,
É sempre um prazer recebê-las, posso servir-vos um cafézinho, uma bolachita? :)
Boa semana.
bj
:) :) Eu aceito o café com muito gosto...e creio que a Cádis tb não se faz rogada... jinhos
P.s.: as bolachas são deliciosas :)
Borboleta,
Que bom que aceitas o café!
Um dia destes faço um bolo, dos caseiros... não posso é garantir que seja tão bom como as bolachas :)
bj
Marta, a novela já vai noutro episódios mais adiante, mas eu tou a acompanhar com alguma lentidão, mas chego lá :)
Deste episódio, retenho o seguinte, tu eras muito insegura e sempre com medo da aprovação dos outros, e com isso tornaste-te cruel para a pessoa que amavas. De tanto medo dos outros e por sentires que ele exercia esse poder todo em ti, tu maltratavas-lo, como se ele fosse culpado de te fazer sentir isso. Afinal ele era um escravo, mas ele lutou pelo teu amor. Agora certamente vez isso...
Tu és fresca és... :)
bjs
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